Diversão e Arte

Coletivo Mulambo pinta versos de Fernando Brant em Belo Horizonte

Em homenagem ao compositor mineiro morto na última sexta-feira, integrantes cobrem escadaria do Santo Antônio com trechos de suas letras

Sandra Kiefer
postado em 16/06/2015 17:42
Integrantes do Mulambo desistiram de esperar autorização da prefeitura e, no sábado passado, grafitaram degraus de escada em homenagem a Fernando Brant
No sábado pela manhã, com a notícia da morte do compositor Fernando Brant, ocorrida na noite anterior, os jovens grafiteiros do Mulambo Coletivo decidiram que esperar não é saber. Com os apetrechos usados para espalhar suas mensagens pela cidade, foram até a escadaria localizada na altura do número 901 da Avenida Prudente de Morais, no Bairro Santo Antônio, e revestiram seus 108 degraus com versos de canções de Brant como ;Maria, Maria; (;Essa estranha mania de ter fé na vida;), ;Nos bailes da vida; (;Todo artista tem de ir aonde o povo está;) e ;Para Lennon e McCartney; (;Sou do ouro, eu sou vocês, sou do mundo, sou Minas Gerais).

[SAIBAMAIS]O Mulambo Coletivo diz que vinha negociando desde janeiro com a prefeitura autorização para pintar a escada. A decisão de homenagear Brant afastou o propósito de esperar o aval administrativo. ;A prefeitura ainda não sabe como lidar com a gente. Para desvincular das pichações, não fazemos nada escondido. Paramos o carro com pisca-alerta ligado, no meio do dia e levamos o material já preparado em casa, com estêncil e letras de forma. É tudo feito na maior cara de pau;, diz o filósofo e educador Vítor Vasques, de 29 anos.

;Vou intervir no dia a dia de alguém, sem pedir permissão. É minha forma de demonstrar carinho por nossa cidade, pelo lugar onde a gente vive;, afirma Antônio Horta, de 26 anos, mais conhecido como Bill, fundador há um ano e meio do Mulambo Coletivo, um dos diversos grupos formados em sua maioria por jovens que se uniram em torno do ideal de ocupar a cidade e, assim, devolver aos cidadãos a sensação de pertencimento ao espaço urbano. ;Você praça, acho graça/Você prédio, acho tédio;, pregam os autores desses ;atentados poéticos;, que se espalham por outras capitais do país.

Formado em letras pela UFMG, Bill é o autor de outra dessas intervenções artísticas, reproduzida em até 30 lugares de BH: ;Ir por onde flor;. ;Quis despertar nas pessoas a importância de voltar os olhos para onde haja flor, delicadeza, beleza, amor;, explica o poeta das ruas, que é responsável também pelo ;Meia noite-me; grafitado na fachada de uma casa vermelha da Avenida do Contorno, prestes a ser demolida. Ele conta que se inspira em poetas como Paulo Leminski (;Palpite: o grafite é o limite;) e Mario Quintana (;Não tenho paredes, só tenho horizontes;).

A ;tatuagem; dos versos de Brant na escadaria do Santo Antônio agradou quem a viu acontecer. ;Mudou o clima da minha ;casa;. Ficou mais alegre. Show de bola!”, elogiou o lavador de carros Paulo, de 38 anos, que improvisou sua moradia no vão das escadas. ;Por favor, pintem outras escadas. É indispensável dar um colorido ao concreto das cidades, que são todas cinza;, disse o oficial do Exército na reserva Sérgio França, de 60 anos, nascido no Santo Antônio.

;Ao pintar poesia nos muros, a gente acredita que está despertando reflexões nos moradores de BH, além de proporcionar uma sensação de conforto a quem está passando pela rua, a pé ou de carro;, diz Ana Nicácio, que teve participação ativa no último carnaval belo-horizontino, no bloco Então, brilha. Ela criou coletivamente a ideia de embelezar a cidade, plantando mais flores e árvores frutíferas. É o caso do canteiro de girassóis dentro do posto de gasolina, que chama a atenção de quem passa pela Avenida do Contorno, no lado oposto ao McDonald;s, na Floresta.

Os trabalhos na escadaria com os versos de Fernando Brant, que morreu aos 68 anos, de complicações decorrentes de um transplante de fígado, contaram com a ajuda de Leonardo Duarte, de 27 anos, que ofereceu uma lata de tinta, sobra de outros trabalhos realizados no entorno da cidade. Duarte é um dos autores dos oásis urbanos, recentemente ativos em cidades da Região Metropolitana de BH, como Raposos. ;Nosso coletivo parte da premissa de que queremos construir, aqui e agora, o melhor mundo com que podemos sonhar. Em Raposos, buscamos ouvir quais eram os sonhos da comunidade para gerar transformação. No mutirão de dois dias, conseguimos reformar uma praça, revitalizar o campinho de futebol e fazer a limpeza do riacho, entre outros;, diz Duarte, que se tornou membro dos Global Shapers, jovens líderes recrutados pelo Fórum Econômico Mundial, com o objetivo de executar microrrevoluções em suas comunidades.

Os coletivos são ideias irmãs da chamada Praia da Estação, que surgiu há aproximadamente cinco anos, quando a administração do prefeito Marcio Lacerda determinou a fixação de correntes em volta da Praça da Estação, na tentativa de proteger o Museu de Artes e Ofícios. Desde então, em dias de calor, os jovens se organizam pelas redes sociais para ocupar o local. Descem de maiô e sunga para o imenso concreto da praça, instalando guarda-sóis e toalhas de praia. Bebem uma cerveja, trocam ideias e produzem novas sementes, com a melhor das intenções. Em resumo, fazem as suas revoluções.

Atentados poéticos se espalham pela cidade


Belo Horizonte anda sendo ocupada por frases líricas, curtas e cheias de rara inspiração. Elas estão em todos os lugares. E são efêmeras. Existem hoje, mas amanhã podem ter sido apagadas. Permanecem, porém, na memória de cada um. Se um de vocês já tiver visto, irá;, com certeza, se lembrar delas, pois causam uma forte impressão. É o caso, por exemplo, da despretensiosa ;Dê lírios;, de duplo sentido, que faz delirar motoristas presos no constante congestionamento da Rua Leopoldina, quase chegando à Avenida do Contorno, no Bairro São Pedro. Para perceber melhor o verso, estampado no muro de uma esquina, é preciso estar na faixa da direita de quem desce em direção à Região da Savassi.

Diferentemente das pichações, que impõem seus rabiscos para marcar território, com o objetivo de agredir, os chamados ;atentados poéticos; são democráticos e servem para agradar aos moradores da capital. Em comum, ambos conservam o aspecto subversivo, no sentido de tentar impor uma ideia ao grupo.

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