Quando criou o movimento Quem desligou o som?, Renato Fino queria entender o porquê de Brasília ter se tornado tão intolerante. Foi estudar a lei do silêncio e descobriu que a quantidade de decibéis estipulada como limite máximo para o barulho em locais públicos era menor que os de sua própria sala em uma manhã silenciosa de domingo. Dono do Senhoritas Café, que acabou lacrado por fiscais do Instituto Brasília Ambiental (Ibram) por 40 dias em 2008, e autor de três livros publicados e seis nunca editados, Fino encabeçou o movimento que resultou na audiência da semana passada na Câmara Legislativa, uma tentativa de mudar uma lei impossível de ser atendida até mesmo dentro de uma igreja vazia. Nascido no Rio de Janeiro, Fino desembarcou em Brasília com os pais, em 1972, com um ano de idade. Desde então, viu muitas Brasílias se erguerem do barro do cerrado. Nesta entrevista, ele fala sobre como a cidade mudou e encaretou, sobre a cara literária da capital e sobre a difícil convivência entre seus habitantes.
Por que você criou o movimento Quem desligou o som?
Em janeiro de 2014, diante da situação do lacre do Balaio e do Senhoritas, me fiz uma pergunta que foi essa do movimento: ;Quem desligou o som?;. Pensei: a que está acontecendo? Eu tenho alvará, o Balaio também. Na hora, criei o grupo no Facebook e convoquei quem quisesse participar. Esperava poucas pessoas, mas de imediato foi um boom e lá se começou a escrever esse projeto de lei que o deputado Ricardo Vale (PT) propôs. Virou um movimento com uma força imensa. E de tudo que está aparecendo em relação à lei do silêncio agora, o ;Quem desligou o som?; foi o principal movimento.
Brasília está mais intolerante?
Estou desde 2011 sem poder fazer música no café. Tenho o café desde 2008 e tínhamos noites maravilhosas lá, projetos mesmo. Nosso lacre aconteceu um dia depois da apresentação do quinteto de Hamilton de Holanda. Ele ia estrear a Sinfonia monumental, em homenagem a Brasília. Descobrimos que a lei do silêncio foi criada numa situação conturbada em Brasília, numa época que estava sem governador e dentro de um esquema: na Câmara Legislativa, no fim do semestre, cada deputado tem o direito de escolher dois projetos que não conseguiram aprovação e encaminham sem passar por comissão. E essa lei do silêncio foi um desses projetos. Os critérios dos decibéis são os motivos pelos quais a gente não pode fazer mais música. Quando eu estava lacrado há quase 40 dias, me sentei no meio da sala do meu apartamento, liguei o decibelímetro em casa, às 11h, eu sozinho. Deu 60, 70 decibéis. E sempre fiquei com isso na cabeça. Nas brigas que eu tinha com o governo, falava: tudo extrapola essa lei, não é só o café. E fizemos um vídeo para mostrar que em qualquer lugar extrapola. Já tem mais de 100 mil visualizações. O Esdras fez o vídeo com a gente. Ele foi numa igreja, numa aula de balé, na ponte, ao cemitério, dentro do Ibram (Instituto Brasília Ambiental). E tem mais: os fiscais cumprem a lei, mas tem um problema, eles chegam arbitrariamente. O fiscal chegou no café, eu tinha alvará, entreguei o alvará, e ele disse ;essa porcaria não serve pra nada;.
Como deve ser a nova lei?
A gente está tentando mudar para que a lei não tenha como alvo a música, porque a lei é para a gente viver melhor, é questão de saúde, é contra o barulho de ônibus, de motor, de qualquer coisa. Só que ela só é aplicada para a música. Mas, o que acontece? Os fiscais associam barulho à música.
A cidade está encaretando?
[SAIBAMAIS]Total. Todo dia converso isso com o pessoal do café. Totalmente. É impressionante. Não é só porque no café tinha música. Não. Eu vejo quando vou aos lugares. O discurso de todo mundo é ;o que está acontecendo?;. É uma ditadura velada. Está encaretando muito essa sociedade. Cresci na cidade, desde quando era só barro na década de 1970, e percebo algumas Brasílias. Essa Brasília de hoje é muito distante daquela da década de 1980, não só em relação aos bares, que tinham música, mas também em relação ao que se vivia nas quadras, nas festas, nos apartamentos, o pessoal debaixo do bloco. Hoje, isso está muito complicado. Aqui, no prédio em que moro, houve uma reunião na qual a pauta era a retirada dos bancos e das mesas da praça porque os jovens bebem vinho e conversam ali à noite. Fiz um discurso acalorado porque queriam tirar os bancos! E o bloco de carnaval aqui também está tendo problemas. São sempre quatro ou cinco pessoas que fazem esse movimento.
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