postado em 30/06/2015 07:31
"Para mim, ir a Brasília vai ser um grande sacrifício, viu?;, confessa o diretor carioca Ivan Cardoso, antes de ser homenageado no Festival Internacional de Filmes Curtíssimos, que ocupou o Cine Brasília no início do mês. O que irrita o mestre do ;terrir; (mistura entre terror e comédia) na capital federal é a política ; mais especificamente, a corrupção. ;Eu só lamento uma coisa: não existir a guilhotina de Paris aqui no Brasil. Ela ficaria cega, mas cortaria muita cabeça;, ataca Cardoso, misturando franqueza brutal e um humor sinistro característico.
O contato do cineasta de 62 anos com o cinema começou aos 17, época em que conheceu o poeta e letrista Torquato Neto (ele encarnou o melancólico vampiro tropical de Nosferatu no Brasil, primeiro curta-metragem do diretor) e o artista plástico Hélio Oiticica, a quem cita como um de seus mestres. Mais tarde, Rogério Sganzerla completou a formação de Cardoso ensinando-o a ;ser malcriado;, lição que aplicou ao longo da carreira. As cores do tropicalismo, a inquietação do cinema marginal e a irreverência das chanchadas cariocas pulsam na obra do cineasta que transformou o super-8 em arte.
Em entrevista ao Correio, o diretor de O segredo da múmia e As sete vampiras fala de seu novo filme, o inédito O bacanal do diabo e outras fitas proibidas de Ivan Cardoso, inspirado nas antigas sessões de cine-jornal dos cinemas da Pathé (uma produtora francesa). Em tom apocalíptico, o diretor decreta o fim da arte e revela sua indignação com o Brasil, com o governo e com o cinema brasileiro.
O bacanal
O filme é a antítese do cinema brasileiro feito hoje em dia. Para começar, foi realizado com dinheiro do meu bolso. Sabe o que é Cineac? É um cinema da Pathé, que era uma espécie de cinema passatempo, onde passavam jornais. Depois, virou pornô, mas originalmente passavam cine-jornais. Fiz uma paródia desse tipo de sessão. O bacanal tem 24 filmes de três, dois minutos ; de duração variada, mas nessa faixa. Se eu parar de filmar hoje, até eu morrer, eu tenho filme para montar. Sou fotógrafo também, então sempre tive muita facilidade em filmar.
Jackson do Pandeiro
Nessa programação de 24 filmes, tem uns oito que são dos anos 1970, filmes que eu não tinha terminado e são verdadeiras joias cinematográficas. Tem um clipe com o Jackson do Pandeiro, um cara pouco documentado. Tem uma adaptação de História do olho, de Georges Bataille. E o resto eu fiz em vídeo. Agora, sem um tostão de lei de espécie alguma. Essas leis aí só serviram para beneficiar quem não é cineasta. Ou então cineasta que gosta de ficar mamando, cineasta petista. Há 13 anos que eu não ganho nada. Agora, quanto o Luiz Carlos Barreto ganhou? Estou feliz de estar longe disso. Eu não trabalho mais com dinheiro do governo. Cineasta chapa-branca, para mim, não é cineasta.
A arte acabou
O meu filme é para você assistir dançando. É muito melhor você ver um filme dançando do que dormindo. E o filme brasileiro você só pode assistir dormindo. Nem a mulher do diretor assiste. O meu filme é dedicado a Décio Pignatari. A última vez que eu telefonei para o Pignatari, ele estava me contando umas histórias de artistas e tal e, no meio do telefonema, ele caiu na gargalhada e perguntou para mim: ;Ô, Ivanzinho, você não sabe que a arte já acabou?; Isso foi três anos antes de ele morrer. Ele já estava com Alzheimer, mas eu não sabia. E, de fato, acabou tudo, por que a arte não iria acabar?
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