A lírica erótica brasileira viveu até agora em uma situação insólita: embora rica e variada, sempre foi confinada à clandestinidade. O escritor Mario de Andrade, homenageado da Flip ; Feira Literária de Paraty em 2015, dizia que bastava juntar três brasileiros para que eles ;falassem porcaria; e era preciso organizar a poesia brasileira dessa vertente. Oitenta anos depois da afirmação de Mario de Andrade, a professora de literatura brasileira da USP Eliane Robert de Moraes reuniu em livro a mais completa Antologia da poesia erótica brasileira (Ed. Ateliê). São mais de 200 poemas. De Gregório de Matos Guerra a Décio Pignatari, de Dalton Trevisan a Murilo Mendes, de Ascenso Ferreira a Cacaso, de Gilka Machado a Hilda Hilst, dos vates populares a Arnaldo Antunes. Nesta entrevista, Eliane fala sobre a riqueza da produção, a conexão entre a visão popular e a erudita, as singularidades brasileiras e o mistério do erotismo na poesia e na vida.
Por que, só agora, surge uma antologia da poesia erótica brasileira? Era pobreza de produção ou de organização?
Só de organização, com certeza! Veja, num esboço de prefácio a Macunaíma, escrito em 1926, Mário de Andrade observava que, no Brasil, as literaturas populares eram frequentemente pornográficas, apesar da ausência de um erotismo literário sistematizado no país. Para justificar seu argumento, o autor evocava as produções eróticas de outros povos, como os gregos, os franceses ou os indianos, que souberam organizar suas expressões escritas em torno do sexo. Mas essa tradição realmente não existia entre nós e, ao pesquisar o assunto, o que me surpreendeu mais ainda é que, passados mais de 80 anos dessa afirmação do escritor, a erótica literária brasileira continuava desconhecida, aguardando uma compilação. A rigor, as ponderações de Mário de Andrade estão na origem da Antologia da poesia erótica brasileira que organizei, e que vem dar testemunho não só da existência de uma lírica erótica no país, mas também de sua extraordinária riqueza.
Que relações existem entre o erotismo da vida cotidiana e o da literatura e da poesia?
[SAIBAMAIS]O erotismo da vida cotidiana, dita ;real;, implica uma negociação constante entre o princípio do prazer e o princípio da realidade, para empregarmos os termos freudianos. Isso significa que ninguém escapa das exigências de renúncia impostas pela vida em sociedade, por mais aberta que ela seja. Além disso, não escapamos igualmente das limitações impostas pelos nossos corpos. A anatomia também nos restringe! Daí que o erotismo da vida cotidiana seja, invariavelmente, muito mais limitado que o da poesia. A literatura cria um lugar imaginário para abrigar Eros, e esse lugar é concebido segundo os imperativos da libido, sem qualquer restrição. Ao submeter a referência sexual a uma estilização, o texto literário liberta-se das limitações empíricas que a matéria carnal impõe para ampliar à vontade as potencialidades imaginárias do desejo.
A matéria completa está disponível aqui, para assinantes. Para assinar, clique aqui.