postado em 29/07/2015 07:33
A causa era nobre e o diretor de teatro Jonathan Andrade não hesitou. Depois de seis anos, ele voltou a se travestir. Convidado a falar sobre questões de gênero e diversidade sexual no Centro Educacional São Francisco, em São Sebastião, Jonathan achou que deveria fazê-lo por meio da travesti Naomi, que andava guardada no armário (mas não na personalidade).
Na chegada à escola, a gritaria foi geral. Todos os alunos se reuniram no pátio para acompanhar a fala daquela figura, com corpo de homem, de cachos loiros, um corpete dourado e uma generosa plataforma nos pés. E Naomi não caiu do salto.
;Sofri bullying durante toda minha adolescência. Tinha medo de ir ao banheiro no colégio. Estar aqui, como artista e cidadão, me traz a lembrança desse período quando o tema não era discutido. Esse tipo de iniciativa quase não existia e eu fui obrigado a engolir tantas manifestações desrespeitosas. Eu vim para que as coisas possam ser diferentes para esses jovens de hoje;, contou Jonathan.
[SAIBAMAIS]
Os avanços, no entanto, são letárgicos. A realidade de outrora descrita pelo diretor não difere muito do panorama atual. ;Quando comentei com os alunos que teríamos a presença de uma travesti, uma menina me procurou e disse: ;Acho melhor ela não vir. Os meninos podem agredi-la com xingamentos e ofensas;;, recorda a professora Francielli Santini, que convidou Jonathan para o debate. Em vez de desanimar, Francielli teve ainda mais certeza da importância daquele ato: ;Percebi o quão relevante seria aquela conversa. Não poderíamos ter medo das pessoas que convivem ao nosso lado, que permeiam nosso cotidiano;.
E ela não se arrependeu. Pelo contrário: ;Foi tudo lindo. Não teve um aluno a reclamar. Percebi respeito, aprendizado, risos e choros;, inclusive da própria Naomi, que se emocionou durante o discurso. ;Como artista, tenho vontade de debater, subverter. Acredito na arte como essa ponte para um diálogo mais intenso. O adolescente ainda está disposto a compreender o diferente. Mas ele precisa do contato, da referência, da provocação. E se vier de forma pedagógica, talvez seja o melhor caminho;, defende o artista.
Algo que não é falado
No panorama nacional, o Distrito Federal carrega dados nada positivos. Frequentemente, Brasília figura na lista das capitais com o maior número de ocorrências de violência homofóbica. Em 2012, por exemplo, o DF liderou o ranking, registrando o dobro de denúncias relatadas pelo segundo lugar, Mato Grosso, de acordo com pesquisa da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
As raras intervenções combativas costumam vir pelo meio artístico. Principalmente após a extinção da Subsecretaria para Assuntos de Pessoas LGBT do DF, cujas atividades foram encerradas no começo deste ano, pelo governo Rollemberg.
Uma tarefa nada fácil, por vezes. O diretor e professor Fernando Villar e o ator Pedro Silveira não foram bem recebidos em várias escolas onde pretendiam apresentar o espetáculo Através de ti, protagonizado por uma travesti. Diretores e professores recusaram a proposta de abrir espaço para a temática. Por fim, conseguiram, mas o diagnóstico de resistência por parte da comunidade escolar ficou claro.
;O teatro, dentro das escolas, pode ser uma ferramente fundamental na formação desses jovens;, comenta a diretora Marina Paes. Recentemente, ela passou por escolas de Planaltina, Sobradinho, Ceilândia e Gama com o espetáculo Algo que não é falado (foto). No clássico enredo, do norte-americano Tennessee Williams, a história de amor entre duas mulheres na década de 1930.
;A apresentação era seguida por uma discussão. A receptividade foi muito positiva, mas muitos ainda demonstram dificuldades com o assunto;, relatou Marina. O projeto previa ainda a distribuição de questionários aos alunos. ;Embora muitas respostas tenham caráter de intolerância, a maioria dos estudantes pediu por mais espetáculos nas escolas. Eles percebem a importância do diálogo e acham que o teatro posso ser um belo mediador;.
Marina, Jonathan, Villar e outros desbravadores das artes cênicas aplicadas à tolerância sexual esperam que, algum dia, o tal algo que não é falado seja assunto recorrente. O exercício cênico no palco parte da premissa da liberdade de expressão. A escola poderia seguir o exemplo.