postado em 19/08/2015 07:30
Cenário, figurino e iluminação são meros coadjuvantes do palco. Muitas vezes, desnecessários. A relação com a plateia, acima de tudo, deve reger o trabalho do ator. Assim pensam, em termos gerais, os adeptos do Teatro Pobre. Entres os principais expoentes se encontra o polonês vanguardista Jerzy Grotowski, referência primordial da vertente. O conterrâneo Stanislaw Ignacy Witkiewicz, por sua vez, aproxima-se do Teatro do Absurdo. São eles que conduzem o trabalho da atriz Jolanta Juszkiewicz, nascida na Polônia e radicada na Austrália.
Premiada, celebrada e (quase) unanimidade entre os críticos contemporâneos, Jolanta aparece no Cena Contemporânea como nome máximo desta edição. Em cena, o emblemático texto The mother, de Witkiewicz, que foi censurado por aqui, durante a ditadura, e em Portugal, quando a companhia do São Luiz Teatro Municipal, de Lisboa, tentou encená-lo em 1971, sem êxito.
Em entrevista exclusiva ao Correio, a artista fala com contundência sobre o ofício, critica as tendências comerciais e lamenta a falta de interesse por trabalhos ;intelectualizados;, sem jamais perder a poesia e a reflexão, muitas vezes com ares filosóficos.
Além de Jolanta, a programação se abre a partir de hoje e traz uma pluralidade de gêneros, nacionalidades e regionalidades. Brasilienses, baianos, franceses, portugueses e a artista polaca tomam conta dos principais espaços do Distrito Federal.
Você costuma ser aclamada como uma das grades atrizes da Europa...
Fico feliz em perceber que meu trabalho e sacrifício sejam reconhecidos como uma forma densa de teatro, inspirado e motivado por atributos de espiritualidade. É fascinante quando pessoas das mais diversas culturas, embora nem sempre compreendam integralmente o sentimento demonstrado, encontrem algo de magnífico no que assistiram.
Será a primeira apresentação de The mother, de Stanislaw Ignacy Witkiewicz, no Brasil. Quais as expectativas?
Não há expectativa. Estou apenas curiosa. The mother foi apresentado em diversos países e as reações são as mais variadas. Na Rússia, por exemplo, o público é muito disciplinado, sempre em silêncio, enquanto na Austrália, a plateia se acaba de rir. Durante a performance, no entanto, percebo o mesmo interesse do espectador, independentemente do local. Todos saem da sala seduzidos pelo trabalho. Espero que não seja diferente com os brasileiros. Estaremos juntos na mesma jornada.
Witkiewicz se tornou conhecido como um dos grandes nomes do Teatro do Absurdo, ou ainda do chamado ;teatro puro;. Quais contribuições do dramaturgo polonês você destacaria?
A filosofia de Witkiewicz é muito próxima da minha natureza. ;Toda essa vida não passa de uma forma pura de certos eventos sacralizados no infinito da existência;. As circunstâncias de nossa existência são desconhecidas e que assim permaneçam. Não vamos tentar compreender ou racionalizar o que não pode ser explicado. Deixe para o mistério da existência. Melhor ficarmos no absurdo. Todos nós temos reações absurdas para as quais buscamos explicações. Witkiewicz preferia uma vida de reações a partir de impulsos espontâneos individuais. Vejo sentido em ser uma artista criativa, em liberdade, sem amarras com conceitos institucionalizados, o que me parece um fenômeno raro hoje em dia.
The mother é o único trabalho de Witkiewicz traduzido para o português. Na ditadura, uma montagem acabou censurada e não chegou aos palcos. Há algo de especial em poder apresentá-la diante desse histórico?
Eu sabia da versão em português do texto e também das dificuldades de montagem no Rio de Janeiro. O professor Janusz Degler (autoridade mundial em Witkiewicz) comentou comigo. Uma honra poder apresentar o texto de maneira livre e um privilégio que aconteça justamente por meio de uma artista polonesa.
Está familiarizada com alguma expressão cênica brasileira?
Augusto Boal e o Teatro do Oprimido.
Mas nunca teve a oportunidade de trabalhar por aqui...
Não, não tive. Como artista independente, sem apoio de instituições culturais, o Brasil sempre me pareceu um destino improvável, por conta dos custos.
São muitos trabalhos na tevê também, mas o palco parece te seduzir mais...
Definitivamente. O teatro é a mais criativa arte. Não menosprezo os filmes, mas as colaborações na televisão são apenas uma fonte financeira. Na verdade, até prefiro que a maquiagem me torne irreconhecível quando apareço nas telas. Entenda: eu encaro a tevê como meu ambiente de trabalho, já que dali tiro meu sustento. O teatro jamais será meu ambiente de trabalho. O palco é o sentido da minha vida.
No Brasil, estamos testemunhando uma demanda absurda por stand-ups e musicais, e vemos pouco espaço para o experimentalismo. Na Europa, o cenário é similar?
Eu observo esse panorama não somente na Europa, mas na Austrália, Ásia, Oriente Médio... Há muitas discussões sobre uma redefinição do teatro hoje em dia. Pessoalmente, sinto-me responsável por promover e desenvolver formas mais intelectualizadas do fazer cênico, mundialmente. Pegando emprestado os ensinamentos de Witkiewicz, concordo que as instituições e corporações estão prejudicando a liberdade de expressão. O artista solo não é bem-vindo. Sem programas de apoio aos criadores cênicos, apenas aqueles dotados de vontade e paixão sobrevivem.
Conseguiria elencar os momentos cruciais de sua carreira, para melhor ou para pior?
Tive a oportunidade de participar de um workshop na Noruega, coordenado por alunos de Jerzy Grotowski (um dos maiores nomes do teatro polonês). Foi uma virada em minha vida. Ali, compreendi o poder de expressão do corpo. Desde então, passei a buscar um equilíbrio de corpo e mente, texto e movimento. Trocas culturais intensas me mostraram que o teatro se mescla a outras formas de arte ; escultura, dança, ópera, moda. Soa óbvio, mas, a partir da minha experiência, vejo que as escolas de arte dramática não compartilham dessa sensibilidade e preferem sistemas de trabalho herméticos e homofóbicos.
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