Adriana Izel
postado em 30/08/2015 07:32
Nascido Leandro Roque de Oliveira, o rapper paulista, 30 anos, viveu em uma realidade bem diferente da atual como o famoso Emicida. Criado na periferia de São Paulo, o artista enfrentou a miséria e viu a mãe trabalhar muito para tentar sustentá-lo. O reconhecimento e a admiração pelo esforço de sua matriarca estão visíveis na faixa Mãe, do seu mais novo disco Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições de casa. ;Tanta humilhação não é vingança,/ hoje é redenção/ Uma vida de mal me quer,/ não vi fé/ Profundo ver o peso do mundo nas costas de uma mulher;, diz a letra da canção.
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[SAIBAMAIS]Além de homenagear a mãe, o novo álbum de Emicida resgata a cultura africana de uma forma pouco explorada. ;Eu quis trazer a questão de beleza e da força, além da pimenta e do tambor.; Para isso, o cantor mergulhou em uma viagem à África passando por lugares como Praia, em Cabo Verde; e Luanda, na Angola, e diz ter aberto ainda mais sua mente. ;Acho que voltei mais humano, mais ;nego velho; e mais maduro;. Ao Correio, Emicida falou sobre temas como infância, carreira, cultura hip-hop e racismo.
Como foi a sua infância?
Eu vim de uma família bem pobre. Meu pai morreu quando eu tinha 6 anos e minha mãe teve que trabalhar em casa de família e ter vários empregos para me sustentar. Ela trabalhava muito e ganhava pouco. Foi um tempo de muita miséria. Eu morava em um barraquinho em Jardim Fontalis (periferia de São Paulo) e depois no Cachoeira. Mas sempre fui otimista, sabia que teria que fazer alguma coisa para contar a minha história.
O que o levou a fazer com o que o álbum Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições de casa fosse um disco dedicado à ancestralidade africana?
Quis trazer a questão da beleza e da força, além da pimenta e do tambor. Eu tenho essa preocupação há muito tempo. Pesquiso e leio muito sobre a África, que é um país tão rico, mas que as pessoas (no Brasil) consomem aquela cultura de forma estereotipada.
Por que é importante acabar com essa visão estereotipada da cultura africana?
Estamos falando do Brasil, que é o país com mais pessoas descendentes de africanos fora da África. Isso, por si só, é um motivo para se falar sério sobre racismo, sendo que é um assunto que o Brasil ainda adia. Então, falar sobre a beleza e a força dos negros, que infelizmente são características que as pessoas ignoram por conta do estereótipo, é importante. Eu diria que meu disco é forma de abrir essas portas, com um discurso muito bem colocado e acessível para que as pessoas possam se conectar com essas histórias. É uma grande porta de entrada na cultura africana.
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O clipe da faixa Boa esperança fez bastante sucesso na internet ao expor a diferença de classes sociais e o preconceito racial. O que te fez criar um clipe com tantas críticas ao sistema?
Foi a importância de tocar nesse tema. O Brasil fala muito de colocar o país nos eixos, da problemática, da realidade. Para mim, temos um problema muito urgente que é o racismo. Eu não gostaria de ter que bater nesse assunto a todo momento, mas preciso para que eu sobreviva e meus parentes também. Por isso, achei que Boa esperança sugeria isso de uma maneira muito forte. Quando as pessoas colocam o racismo em pauta colocam como uma coisa fictícia. Essa é a janela que eu tenho para discutir esse assunto de verdade. Acho que a repercussão do clipe tem a ver com o fato das pessoas se sentirem representadas nele. Aquelas empregadas do clipe são a minha mãe, as minhas tias, que começaram a trabalhar cedo como domésticas.
Você acha que existe uma falta de representação dos negros no país?
Temos um debate que é extremamente superficial. É só olhar para dentro do Congresso Nacional. Não se vê o povo brasileiro dentro dele. No debate político, você não vê os negros nem os índios. As pessoas estão falando por eles. Se você pegar todas as pessoas não brancas, você verá que elas não estão representadas. É algo muito gritante. É preciso levar essas pessoas para dentro do debate político. Elas precisam pensar que alguém se lembrou delas.
Durante um bom tempo, o rap foi um ritmo marginalizado. Mas, nos últimos anos, temos visto nomes como o seu, o do Criolo e o do Projota tornando o estilo em algo comercial. Como acha que o rap conseguiu chegar a mais pessoas?
Venho de uma geração que faz rap para subir no palco e falar alguma coisa que vai tocar o coração de quem está ouvindo. O rap é uma espécie de espelho. Na minha época, cantávamos para poucas pessoas. A música alimentava nossas aspirações. Nunca imaginei que fosse alcançar tanta gente, de tanta realidade diferente, e ver que a minha música tem o mesmo efeito nelas. Essa identificação faz com que as pessoas se vinculem à arte que eu produzo e se inspirem. Elas querem lutar por um Brasil onde a regra não seja esta lei vigente. Fico feliz de saber que minha música está fazendo isso.
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