É para falar dos elementos pictóricos e da presença da natureza na pintura que a artista Carolina Vecchio e o curador Manuel Neves participam, neste sábado (7/11), às 17h, de um encontro na Galeria Referência (SCLN 205, Bloco A, Loja 9). A galeria recebe, até 14/11, a exposição Anima Mundi, uma série de 30 pinturas realizadas por Carolina e cuja temática está ancorada na observação da natureza.
Foi uma coincidência que levou a pintora a começar a olhar pela janela de casa, seu principal terreno exploratório. Um dia, ela ouviu um canto bizarro que parecia o lamento sofrido de uma mulher. Achou estranho e, ao ligar a televisão pela manhã, assistiu, sem querer, a uma reportagem sobre o urutau, um pássaro raro que há muitos anos não aparece no espaço urbano e é dificilmente observado no meio rural. Na reportagem, ela ouviu o mesmo canto identificado durante a noite e concluiu que havia sido visitada por um urutau.
Na noite seguinte, o lamento se repetiu e anos mais tarde, Carolina resolveu mudar o rumo da própria pintura. Ela, que até então pesquisava moda associada à pintura, pegou o cavalete e foi para o jardim. Pintou primeiro o urutau. Depois, passou a observar ao redor e as plantas foram entrando nas telas. ;Desvendei o mistério do urutau por acaso. Isso foi há oito anos. E muito tempo depois resolvi pintar. Uma das características dele é o mimetismo. Tem lendas indígenas que falam sobre ele;, conta a artista. ;A partir desse quadro, comecei a desenvolver um trabalho com espátula e uma pesquisa com cor;. A técnica dá densidade ao quadro, que tem grossas camadas de tinta responsáveis por tornar os contornos fluidos e por dar à pintura uma materialidade atraente.
A figuração e a cor são elementos fundamentais na pintura de Carolina, que passou a fazer desenho de observação para criar os quadros. ;Ficou muito mais intimista para mim;, conta. ;E esse ano, comecei a pintar plantas;. As cores, ela usa com disciplina, mas sem se ater à originalidade da natureza. O trabalho é figurativo, mas não realista. ;Busco o que funciona melhor na pictorialidade da imagem. Costumo trabalhar bem essa questão dos matizes. Às vezes, até mudo a cor das flores porque acho melhor;, admite. Há algo de impressionista na maneira como ela organiza as imagens. A própria artista ventila que pode até ser o Monet do cerrado, mas a comparação é mesmo uma brincadeira. Talvez o que mais a aproxime de um olhar impressionista seja o intimismo. ;É muito íntima essa relação, explorar sua história com a natureza, o movimento;, divaga.
Para o curador Manuel Neves, que participa do encontro hoje na Referência, o embate entre a figuração e a abstração é o que torna o trabalho da artista interessante. Ele acompanhou a produção de Carolina durante cinco meses para entender como funcionava. ;Me interessou porque ela trata do limite entre a abstração e a figuração e tem uma relação forte com a tinta, com a matéria;, explica. Foi na exposição Vinte - Pintura e pictorialidade, em cartaz na Galeria Marcantonio Vilaça, no TCU, em novembro de 2014 e com curadoria de Matias Monteiro, que Neves teve contato com o trabalho de Carolina pela primeira vez.
Uruguaio radicado em Brasília, ele acompanha o trabalho de 10 jovens artistas da cidade, com os quais desenvolve projetos. O trabalho de Carolina, ele acredita, tem vários aspectos importantes. ;Na abstração, o importante é o fundo e a forma e para mim é importante essa ruptura que ela faz entre o fundo e a forma;, explica. Plantas e bichos no mesmo plano são uma característica da pintura da artista. ;Acho isso interessante: de certa forma, ela joga com o fundo abstrato e figurativo e traz a natureza como um elemento vivente, você não diferencia os animais das flores;, descreve. Manuel lembra que há algo de antiquado e, ao mesmo tempo, intrigante no trabalho da artista. A ciência há muito rompeu com a ideia de natureza como um todo ao classificar cada um de seus elementos, mas a pintura é capaz do colocar tudo num único plano. É o que faz Carolina Vecchio com suas sobreposições pictóricas que formam plantas e bichos.