Renata Rios
postado em 08/11/2015 07:38
Concebido pelo artista de rua curitibano, Ricardo Marinelli, Sim, somos bizarras é um projeto que reúne diversos artistas, de várias frentes (música, dança, teatro e outros) e de todo o país. No grupo se encontram artistas que abordam gênero e sexualidade de alguma maneira em seus trabalhos. O nome vem por esse membros serem considerados socialmente bizarros, seja por estarem acima do peso ou fora dos padrões sexuais vigentes. Gustavo Bitencourt tem 40 anos e vive a personagem Dalvinha Brandão. ;A Dalvinha tem uma atuação política - participo muito de eventos sobre cultura e políticas LGBT - mas também trabalha com comédia stand up, promove festas, trabalha em cerimônias, eventos corporativos, etc;. O curitibano é um dos integrantes do projeto e, em entrevista ao Correio, conta de sua experiencia no grupo.
[SAIBAMAIS]
Como você acha que a sociedade vê os transgêneros, ainda há um peso muito preconceituoso sobre o tema?
Acho que o Brasil é preconceituoso, ponto. Muito. Tem uma resistência muito grande a qualquer tipo de mudança social. As pessoas se agarram aos seus pequenos privilégios com unhas e dentes.
Preconceito, por definição, é formar uma opinião sem a informação necessária. O nosso preconceito se deve tanto ao grande poder político que as religiões cristãs vem exercendo, como a um grande déficit no nosso sistema educacional, que tem uma fundamentação militarista: ele prepara trabalhadores para o mercado, e tem pouco interesse em estimular o pensamento autônomo. A gente vive hoje em meio a muita informação, mas as pessoas de forma geral leem pouco, não sabem buscar informação confiável, não sabem avaliar, comparar, não se sensibilizam, não conhecem arte, têm pouca empatia por causa disso.
Quando se fala em gênero e sexualidade, a resistência é maior ainda. Quando sabem que existem outras sexualidades, muita gente tem medo de perder tudo o que conhece. Parece que grande parte da nossa personalidade depende do que entendemos por ser menino, ser menina - essas certezas é que as pessoas têm medo de perder. E não se importam se tem gente morrendo e sofrendo outros diversos tipos de violência por conta disso. Não só a transgeneridade. Uma mulher cissexual que viva plenamente sua sexualidade é uma ameaça, por exemplo, porque destrói o que se espera do comportamento de uma mulher. Uma relação poliamorosa, uma relação entre duas lésbicas, dois homens gays, tudo isso ameaça. Travestis e transexuais, no entanto, são grupos particularmente vulneráveis, expostos a todo tipo de violência, com poucas oportunidades de trabalho e estudo
Quais projetos culturais você destaca que abordam o assunto?
Acredito que, talvez por conta desse retrocesso conservador que a gente tem na política e na mídia, muitos artistas têm procurado lidar com essas questões. Eu recomendaria pesquisar o trabalho de qualquer um desses artistas envolvidos no projeto, que eu citei acima. Outros nomes que eu me lembro assim de cabeça: a Helena Vieira (coreógrafa carioca), a Lisa Vietra (atriz e diretora soteropolitana), Sandro Ka (artista visual de Porto Alegre), Tamíris Spinelli (multiartista carioca), Fernanda Magalhães (artista visual paranaense), os artistas da Casa Selvática, espaço cultural autogerido de Curitiba, o grupo As travestidas, de Fortaleza, o Núcleo do Dirceu, de Teresina.
Na televisão, a questão dos transgêneros tem sido mais abordada, como você vê essas interpretações?
Eu acho que a tv tem feito alguns esforços no sentido de representar gays, lésbicas, representar pessoas trans, falar sobre o assunto, mas há muito pouca vontade de incluir essas pessoas como atores, atrizes, ou como produtoras desse discurso. A gente sempre ouve falar de como é um desafio para tal ator, ou tal atriz, interpretar um personagem gay ou lésbica, interpretar uma pessoa transexual. Mas até hoje na tv brasileira poucas vezes a gente viu atrizes ou atores transexuais, e poucos são os que assumem a sua homossexualidade ou bissexualidade porque sabem que vão perder trabalhos. E não só atuando, mas é fundamental também ter essas pessoas escrevendo, roteirizando, dirigindo, produzindo conteúdo pra tv. Os profissionais existem, estão aí, é questão de ir atrás.
O que vocês pretendem com essa iniciativa?
Olha, acho que é mais fácil falar o que a gente não pretende. A gente não pretende convencer ninguém de nada, nem falar sobre o tema transgeneridade, ou homossexualidade, ou seja lá o que for.
É um encontro de vários artistas que têm trabalhos muito potentes, e o intuito inicial era ver o que podia gerar essa convivência. Arte, por si só, já é muita coisa. É a possibilidade de escapar desse raciocínio mesquinho, pobre, objetivista, funcional, que a nossa sociedade vem reproduzindo e faz com que as pessoas não consigam sair dos seus mundinhos. Só que acontece que esses artistas também têm posicionamentos políticos muito fortes. E ocupam lugares de desvio na sociedade - são gays, lésbicas, são pessoas trans, são drag queens - então a arte e o discurso que a gente tá produzindo fala a partir dos lugares que a gente ocupa. Mas não tem o intuito de dizer "pense de tal forma" ou "o certo é isso". Acho é um convite e um enfrentamento. É dizer: "olha, a gente existe, estamos aqui, se quiser saber o que a gente tá fazendo, venha ver"