postado em 12/11/2015 11:49
Por aqui, xingamos o outro como se afeto fosse e fazemos uso de expressões destrutivas ao ;brincarmos;. ;Preto;, ;viado;, ;boiola;, ;sarará; são alguns exemplos. Nosso preconceito está tão enraizado que, muitas vezes, replicamos ofensas, reforçamos estereótipos e mal percebemos. O cabelo negro figura entre os principais alvos nessa lista. Justamente daí, a Cia. Embaraça desenvolve o enredo do espetáculo Pentes, que se despede do Plano Piloto para encarar temporada por algumas cidades do Distrito Federal.
;O espetáculo coloca em destaque essas questões do racismo e do preconceito ao usar nossos cabelos como mote para falarmos da representatividade da figura negra na sociedade ; em especial da mulher negra;, comenta Ana Paula Monteiro, que sobe no palco ao lado de Fernanda Jacob, de Tuanny Araújo e da atriz convidada Elisa Carneiro.
Resultado de um projeto desenvolvido no Departamento de Artes Cênicas da Universidade de Brasília (UnB) em 2012, a peça referencia pensadoras como Elisa Lucinda, Bell Hooks e Conceição Evaristo e celebra a cultura do black power. Em cena, além das atrizes, a banda Protofonia executa a trilha que acompanha o desenrolar de cada história, de cada discurso. Um espetáculo contundente sobre uma violência cotidiana ora explícita, ora velada. O teatro como ferramenta de combate.
//Guerreiras
Fernanda Jacob
Enquanto escutava que as amigas de pele clara tinham cabelos ;bonitos;, Fernanda Jacob ouvia que sua cabeleira era ;exótica;. ;E eu tinha que me contentar com o estereótipo da mulher de personalidade forte, corajosa, simplesmente por ter assumido meu cabelo do jeito que ele é;, conta.
Por conta das reações negativas recebidas em virtude do cabelo e da pele negra, Fernanda acabou criando um ;mecanismo de defesa;. ;Vivo sendo perseguida por seguranças em lojas e supermercados. Nunca saio de uma loja no momento em que muitas pessoas estão saindo. Fico com medo de o alarme apitar por algum motivo, pois sei que serei a primeira a passar pelo constrangimento de ser revistada;, revela.
O teatro, que ela própria diz que a salvou, tornou-se uma ferramenta de combate: ;Acredito que a principal função de um artista é ser atento às questões sociais do seu tempo e discuti-las com o público;. A atriz, que flertou com a música antes de enveredar pelas artes cênicas, encara a personagem em Pentes com postura política: ;Quero transmitir, por meio do espetáculo, que nós, mulheres negras, não merecemos sofrer por conta de um padrão de beleza imposto pela sociedade;.
Ana Paula Monteiro
Quando estudava no Departamento de Artes Cênicas da UnB, com os cabelos completamente lisos, Ana Paula Monteiro não reparava que era apenas uma das três ou quatro pessoas negras da turma. ;O teatro me ajudou a enxergar muitas questões por outra ótica. Foi nele que encontrei os questionamentos que me impulsionaram a trabalhar com tudo aquilo que tentava esconder ao fazer as inúmeras chapinhas;, afirma.
Hoje, orgulhosa dos cabelos, leva o discurso de autoafirmação adiante: ;Eu me transformei em outra pessoa depois que deixei os meus cachos em paz. Trata-se de reconhecimento, de entender suas origens, de se desprender de um padrão de beleza e construir outros;. E ela o faz não somente no palco, mas igualmente na sala de aula. ;Sou professora de teatro em escola pública. Não trabalho pensando que formarei atores, mas me esforço para que saiam mais sensíveis ao mundo, não só na compreensão de si, mas no entendimento do outro também;.
Vítima de racismo em diversas ocasiões, Ana Paula espera que o espetáculo possa contribuir no debate acerca do preconceito de cor e assim, quem sabe, problematizar os ;insultos e olhares bizarros; que costuma receber na rua e que ela já aprendeu a ignorar.
Tuanny Araújo
O pior episódio de intolerância que Tuanny Araújo testemunhou aconteceu em Manaus, ao lado das outras integrantes do espetáculo. ;Estávamos caminhando pelo centro e conhecendo a cidade. Íamos nos apresentar naquele mesmo dia. No meio da rua, uma mulher saiu de um estabelecimento e gritou: ;Que bando de cabelo feio! Vai prender isso!';, recorda Tuanny.
Justamente o tipo de postura que ela espera rebater com a peça: ;Espero que todos se atentem aos discursos que andam reproduzindo, pois muitas vezes são somente discursos preconceituosos;. Mais do que combater o racismo do outro, Tuanny acha fundamental dialogar com a plateia e empoderar quem ali se sente, por algum motivo de cor, oprimido. ;Torço para que Pentes mostre que a mulher negra não deve ter vergonha do seu cabelo crespo, das suas características físicas. Que ela pode simplesmente ser ela mesma, que não precisa se camuflar por trás de um padrão de beleza branco. Que ela é como é. E é linda!”
Tuanny, que vem de uma família amorosa mas de uma convívio escolar discriminatório, enfatiza a necessidade de as ;pessoas reverem os seus próprios preconceitos; e acredita ser essencial acabar com a falácia de que ;não existe racismo contra a mulher negra e o cabelo crespo;.
Pentes
Da Cia. Embaraça. Com Ana Paula Monteiro, Fernanda Jacob, Tuanny Araújo e Elisa Carneiro. Em 17 e 18 de novembro, na faculdade Iesb Oeste (Ceilândia), às 19h e às 11h, respectivamente. Entrada franca mediante confirmação por meio do e-mail desvioproducoes@gmail.com. Em 20 e 21 de novembro, no Espaço Semente (Gama), às 20h. Em 23 e 24 de novembro, no Teatro da Praça (Taguatinga), às 20h. Em 28 e 29 de novembro, no Espaço Cultura Pé Direito (Vila Telebrasília), às 20h. No Gama, em Taguatinga e na Vila Telebrasília, os ingressos custam R$ 5 (meia-entrada). Não recomendado para menores de 12 anos.