;A minha geração teve a ansiedade de enfrentar a ditadura, agora é a corrupção, a falta de moral. A gente anda na lama de Mariana;. Aos 79 anos, o escritor Ignácio de Loyola Brandão afirma que sua literatura é movida pela necessidade de olhar para fora e mostrar o que está acontecendo: a angústia de um tempo.
Para ele, as aflições de agora se concentram no estado em que se encontra o Brasil: das conturbadas relações políticas no Congresso à inacreditável situação da saúde, com o surgimento de casos de microcefalia relacionados ao vírus zika. ;Cabe à minha geração fazer o balanço e à nova, o confronto;, diz. Mas, para o escritor, esse embate deve ser feito por meio da literatura. ;Escritores que têm vindo teriam a missão, essa obrigação de abordar o assunto;, afirma.
A inspiração do autor, nascido em Araraquara (SP), vem daquilo que o traumatiza e o persegue continuamente. ;Escrever por compulsão, por neurose, mas, principalmente, por paixão e sonho. Não sei fazer mais nada. Sou inútil na vida;, diz.
Depois de nove anos sem publicar romances, desde o lançamento de A largura e a altura do nada (2006), Loyola Brandão se dedica a uma nova obra. ;Comecei agora. Se falar (a respeito), ele vai embora; Estou usando muita memória;, justifica-se para não dar mais detalhes sobre a obra. O título ele revela que será Desta terra nada vai sobrar a não ser o vento que sopra sobre ela, baseado na poesia do dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898-1956).
O novo livro não tem prazo para publicação. ;A única coisa de prazo que tenho é a minha crônica para o jornal (O Estado de S. Paulo). Sou livre, sem prazo. Você trabalha, retrabalha;, afirma. Ele cita Os olhos cegos dos cavalos loucos, vencedor do prêmio Jabuti 2015 na categoria juvenil, como exemplo de uma obra que levou ;tantos anos; para ser concluída. O ponto de partida da história é um episódio que envolve o avô de Loyola Brandão, que era marceneiro. ;Um dia, ele teve um sonho e viu a fotografia de um carrossel. Foi um sacrifício imenso para fazê-lo. Foram anos felizes. E esse carrossel incendiou. Só sobraram os olhos dos cavalos, feitos de bolinhas de gude.;
;A memória e a infância têm me tocado bastante. Vou para trás para me buscar;, diz o autor de Veia bailarina. É exatamente da memória que surgiu o sarau lítero-musical que ele realizou com a filha Rita Gullo, na última quinta-feira, na Academia Mineira de Letras, em Belo Horizonte.
O pocket show é inspirado nas 32 crônicas do livro Solidão no fundo da agulha, de 2013, lançado com um disco. ;Comecei a olhar os discos que tinha. Ouvia as canções nas ruas e me despertava para momentos que vivi. Desde bolero a canções como Valsinha, de Chico e Vinicius, Mensagem, de Isaura Garcia, e Amado mio.; Tem sido comum, ele conta, que jovens procurem o CD ao final das apresentações. ;A música é ponte de transferência de gerações;, opina.
Apesar do tom reminiscente do projeto, o escritor rejeita o rótulo de saudosista. ;Chega um momento em que você se ;reolha;. Não com nostalgia, mas para saber o que era, como mudou. O que está lá fez o que sou hoje;, reflete.
Com 40 livros publicados, uma longa atuação como jornalista em diferentes órgãos de comunicação brasileiros e um prêmio Jabuti, Loyola Brandão se define apenas como um narrador e diz que cabe aos críticos fazerem suas apostas sobre a cena literária atual no país. ;É um desafio. Não dá pra dizer se a obra é menor ou maior, porque ainda está sendo feita é work in progress. O tempo vai dizer o que é.;
Apesar da ressalva, ele defende que houve um período de transição, ;meio raso;, mas que agora existe uma turma com certa força na literatura. Um deles é o mineiro Luiz Ruffato, considerado pelo paulista um dos grandes escritores da nova geração. Ele cita também o cronista curitibano Luiz Pellanda, Ivana de Arruda, ;mulher de 50 anos que se revelou;, e o escritor e roteirista Antonio Prata. ;É um grupo novo tomando conta do pedaço depois do marasmo. Após a geração de 70, deu uma curva e agora está retomando;, avalia.
Ele discorda da percepção de que o Brasil é um país de leitores desinteressados e conta que um de seus projetos literários circulou por 46 cidades do país. ;Estive no Amapá e acompanhei barcos que levam livros para escolas ribeirinhas. Contei história com as águas do Rio Araguari passando por mim;, lembra. Cita o estado do Ceará e a cidade de Belém (PA) como locais em que existem grandes movimentos pró-leitura.
E-book
Na avaliação de Loyola Brandão, os livros digitais cumprem a função de disseminar o consumo de literatura. ;O e-book é parte da leitura do futuro;, diz. ;Tenho um amigo dono de restaurante que hoje lê só livros digitais, porque é mais fácil. Dá para aumentar a letra;, conta. Para o escritor, o fechamento de livrarias no país e o encerramento das atividades de uma editora importante como a Cosac Naify fazem parte da circunstância de crise econômica no país.
;Hoje, é mais fácil ser lido do que quando fui publicar meu primeiro livro. Você entra no computador e faz o seu blog. Tem o mau, o péssimo, o ótimo: enxurrada de coisas acontecendo;, afirma. Entre as novas formas de atingir o mercado, além das obras realizadas por meio de financiamento coletivo, ele aponta como ;fenômeno curioso; o das jovens blogueiras que fazem literatura. ;Algumas editoras resolvem publicar. Alguns são muito ruins; outros, até razoáveis. Atingem um público adolescente, que acha que elas estão falando em seu nome. Mas só estão repetindo chavões e clichês. Se vai ser literatura, o tempo vai responder.;
Para 2016, a resolução de Loyola Brandão está tomada: ;Meu plano é viver;.