Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Crônica: Bowie perdido no espaço de Brasília



Tenho um amigo que costuma passear com a namorada, arquiteta, pela Esplanada dos Ministérios e, a certo momento, ela faz um sinal com o dedo indicador nos lábios, pedindo silêncio reverencial diante da beleza das obras de Niemeyer: ;Por favor, faça um minuto de silêncio;. É precisamente esse sentimento que, sem conhecer diretamente Brasília, Bowie intuiu ao declarar em entrevista à MTV: ;Eu acho que é quase uma procissão ir a Brasília ver as obras de Niemeyer;.

A maneira de olhar define tudo. Os forasteiros costumam visitar Brasília atulhados de frases feitas e ideias prontas. Por isso, os artistas sempre foram os que se abriram para entender a singularidade de Brasília. Em vez de se armarem de verdades prontas, eles interagiram intensamente com a cidade, sem teorias ou teses fechadas. Mesmo sem conhecerem diretamente Brasília, alguns artistas estrangeiros estabeleceram uma fina sintonia com a cidade.

O cineasta alemão Win Wenders entrou em contato com o Brasil quando era criança por meio das imagens de Brasília: ;E não tinha a ver com filmes, mas com uma cidade. Eu era apaixonado pelo trabalho do arquiteto Oscar Niemeyer e impressionado com a ideia de construir uma cidade no meio da selva ; ou, pelo menos, era assim que a sua obra era apresentada na Alemanha. Na parede do meu quarto, tinha todas as informações e imagens sobre Brasília. Se eu fosse fazer um filme amanhã sobre o Brasil, não hesitaria em filmá-lo em Brasília, um lugar extraordinário e um exemplo para o mundo. Passaria algum tempo lá, até encontrar a história que a cidade me contasse;.

É isso que fizeram, cada um a seu modo, Nelson Rodrigues, Clarice Lispector e Caetano Veloso. Por isso, lançaram miradas que revelaram e inventaram Brasília: ;É boa para os olhos;, escreveu Paulo Mendes Campos. ;Nas outras cidades grandes, onde não devia haver nada, não há nada, há monturo de edificações: em Brasília, onde não deve haver nada, não há nada. Descansa os olhos. Possui as riquezas elementares mutiladas em outras cidades: céu cor de céu, vegetação verde, água tranquilizante. Até os cegos podem ver Brasília pela vibração sutil e confortante dos espaços abertos.;

Clarice Lispector disse que ;Brasília é o futuro que já aconteceu;. Pode ser, o concreto já rachou, as utopias foram contestadas, as contradições escancaradas. Brasília é, cada vez mais, o presente terráqueo e dilacerado do Brasil deste início de século. Mas a cidade não perdeu o fascínio nem a aura de cidade futurista ou de cidade de outro mundo. Onde Niemeyer tocou, suscitou a beleza. Há uma parte de eterno no moderno que permanece viva.