Numa ;vibe de juventude;, com uma série sobre esse tema, o diretor José Eduardo Belmonte quis, sem sucesso, ter a primeira experiência com a tevê aberta, há alguns anos. O destino entretanto lhe reservou a estreia com série de produção internacional chamada O hipnotizador, exibida no canal por assinatura da HBO. Com um tema bem brasileiros ; o processo de pacificação no Complexo do Alemão de 2010 ;, agora, ele finalmente chegou à tevê aberta, com Alemão, os dois lados do complexo, que terá último capítulo apresentado, hoje, na Rede Globo.
;Não imaginava trabalhar na Globo, e me ligam dizendo que me queriam lá;, conta o brasiliense, que contou com o apoio, nos corredores globais, de colegas roteiristas como Marçal Aquino e Fernando Bonassi. A série tem dado nova roupagem para um filme muito bem-sucedido, em 2014: Alemão. Estendida a narrativa, a série incorporou novas situações e maior realismo na tevê. Em 18 dias, cinco comunidades serviram como cenário para as filmagens que mostram grupo de policiais encurralado por traficantes, numa situação-limite.
Atropelado pelos trabalhos para a nova formatação de Alemão, Belmonte pretende, baixada a poeira, terminar, ao final do mês, a comédia (em longa-metragem) Tudo bem quando acaba bem. Alice Braga, Ingrid Guimarães, Rosanne Mulholland e Fábio Assunção estão entre os atores da fita prevista para estrear em 2016. ;A princípio será um ano de semear coisas;, observa o diretor que filmará para o cinema a sequência do longa Alemão. Escrever dois outros roteiros, um para filme com a atriz Natália Lage, e outro, com Cauã Reymond e Leonardo Sbaraglia no elenco, estão entre as prioridades.
Se dedicar à família e à religião também despontam com a devida importância, sem a fixação obsessiva de cinema de outrora. ;Me curei, amadureci;, acredita o realizador. Destacando não ser sociólogo, Belmonte estranha a relação dos brasileiros com o trabalho. ;No Uruguai (onde filmou O hipnotizador), trabalho é algo muito orgânico. Faz parte da sua vida, como outras coisas fazem. Não há reação primitiva, afligida com trabalho no Brasil, né?;, comenta. E arremata, brincando: ;não se trata de preguiça: mas, o brasileiro tem um ranço de pensar sempre que está trabalhando mais do que deveria;.
Nova percepção
Entre as demandas do público, na adaptação da série, Belmonte conta que despontou o imediatismo, além do ideal de tramas mais contemporâneas. ;Querem uma agilidade narrativa que inexistia antes, seguindo o exemplo das tevês americanas. Além disso, há exigência de personagens muito densos e fortes;, enumera Belmonte. Ele percebe a interrupção de um só método de comunicação com o espectador. ;O processo multiplataformas de exibição acarretou na renda de enorme liberdade. Na explosão de diálogos, há elementos da dramaturgia clássica que ainda se impõem. Persiste porém o ideal de uma ligação definitiva com histórias plenamente absorvidas. Acho que até em The walking dead, que bomba entre a juventude, há episódios que não passam de duas pessoas conversando;, diverte-se o brasiliense.
Filmar Alemão 2, para exibição nos cinemas, em 2017, já está entre as certezas de José Eduardo Belmonte para o recém-começado ano. O roteiro está em fase de aperfeiçoamento, com ajustes articulados, e será feito com os mesmos atores ;sobreviventes; da primeira produção, que teve orçamento superior a R$ 4 milhões.
Conduzido sob encomenda do produtor Rodrigo Teixeira, proprietário da empresa RT Features, Alemão, a contragosto de Belmonte, pode ser incluído no subgênero dos favela-movies. O drama dos policiais infiltrados e no meio de um blackout de comunicação vem embalado como thriller que assumidamente contrabandeia elementos do melodrama, privilegiando personagens em face de ação, algo diferenciado de Cidade de Deus (de Fernando Meirelles) e Tropa de Elite (de José Padilha), na ótica do realizador.
;O Vietnã de O franco atirador é diferente, por exemplo, daquele de Apocalypse now, mesmo tendo questões muito íntimas de uma nação. A realidade das comunidades, do abismo social e da violência, no Brasil, são grandes temas nossos. Nessa escala, chegamos à perspectiva que alcança o Nelson Pereira dos Santos, com o Rio, 40 graus (1955). Como gênero, depois, houve a apropriação de Fernando Meirelles e o desenvolvimento do José Padilha. Acho que Alemão é um filme muito mais sobre o íntimo daquela situação toda;, conclui o cineasta.
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