Diversão e Arte

Atores brasilienses fazem sucesso em novela e no cinema

Juliano Cazarré e Maeve Jinkings se destacam em A regra do jogo e no premiado filme Boi neon, em cartaz na cidade

Ricardo Daehn
postado em 17/01/2016 06:30

Juliano Cazarré e Maeve Jinkings se destacam em A regra do jogo e no premiado filme Boi neon, em cartaz na cidade

A dupla de atores candangos Juliano Cazarré e Maeve Jinkings brilha, simultaneamente, na novela A regra do jogo e no cinema, em Boi neon, fita pernambucana que acumula prêmios internacionais. Mais do que reafirmar a vocação de Brasília para a formação de talentos artísticos, vem auxiliando na construção de novos paradigmas sociais para o Brasil. No rastro dos riscos, dos questionamentos e da rebeldia das aulas teatrais de Hugo Rodas, Juliano assume gostar de projetos mais populares, ;de chegar no povo;.

Nesse enquadramento, pleno de liberdades e transformações, Brasília, claro, pode emanar acertos e fracassos. Maeve prefere a ponderação, nessa mirada: ;Ainda que seja o centro simbólico do poder, acho reducionista atribuir somente a Brasília a deterioração da vida política;. ;Acho que servem a todos melhorias no planeta e na sociedade. Homens devem dar mais espaço para as mulheres, ouvi-las e respeitá-las. Mas temos ainda que ampliar conquistas de negros, gays, trans ; cuidar dos mais vulneráveis. Contribuo, agindo eticamente, questionando tabus e me livrando de defeitos;, observa Cazarré, em entrevista ao Correio.

Por meio da arte, em que interpreta a oprimida personagem de novela, Maeve também tem galgado crescimento. ;Muitas histórias chegam a mim: pessoas se sentem à vontade para desabafar sobre casos similares vividos. Infelizmente, percebo que violência de gênero e agressões psicológicas são bem mais comuns do que supunha;, comenta a atriz.

[SAIBAMAIS]

Leia, na íntegra, entrevista com Juliano Cazarré.

Brasília ainda tem jeito, em termos políticos? Como você percebe nossa atual sociedade, com tanto desgoverno? Concorda que haja?


O problema não é Brasília. O problema é a política brasileira. Esses vagabundos, esses ladrões, eles não fazem idéia do que é Brasília. Essas pragas chegam na terça e vão embora na quinta. Eles nunca viram um pôr do sol na beira do Lago, não desfilaram no Pacotão, não tomaram caldo de cana na Rodoviária, não foram nas festas da UnB, não acamparam na Chapada. Nunca correram o subidão do Colorado, da Ermida. Só vêem o Lago de longe, das janelas de suas mansões ou de seus gabinetes. Eles conhecem a cidade a partir das janelas dos seus carros oficiais. Eles só conhecem de verdade a carta de vinhos dos restaurantes luxuosos, onde pagam as contas com dinheiro roubado de nós, os pagadores de impostos. Não sei se tem jeito para a nossa política. Enquanto a educação for o lixo que é no Brasil, continuaremos elegendo essa corja, esses demagogos com discurso paternalista, de salvadores da pátria. Eu amo o meu país, amo os brasileiros, a mistura de sotaques, nosso humor, a rica cultura artística brasileira, nossa literatura, nossa música, nossa natureza, o candomblé, a umbanda, as praias, as montanhas e as cachoeiras. Mas o Brasil institucional, o excesso de burocracia, o excesso de leis, a impunidade, a corrupção, a incompetência, o excesso de feriados, o jeitinho, o ano que só começa depois do carnaval, a gasolina mais cara do mundo, telefone e internet mais caros do mundo, a pior relação entre impostos pagos e serviços recebidos, as balas perdidas, os assaltos, a polícia violenta e corrupta, a lentidão da justiça, isso tudo eu odeio e estou muito cansado. Estou cansado de trabalhar para pagar imposto e cobrir os rombos que a corrupção e a incompetência geram. Cansado de não poder usufruir do fruto do meu trabalho, porque a gente por aqui passa o tempo inteiro trabalhando para pagar impostos ou resolver problemas burocráticos, e depois que eles nos tomam 35% na fonte, tudo o que se consome é carregado de impostos. É muito difícil ser brasileiro.

Antes de interpretar, em Boi neon, você tinha intimidade com vaquejada?

Zero intimidade com a vaquejada, com cavalos, etc. Mas, eu gosto de natureza, gosto de animais, gosto do campo. Foi fácil ;ligar essa chave; e acessar o meu cowboy interior (risos). Acho que Boi neon vem fazendo sucesso no exterior devido a vários fatores, vários certos que o filme traz, e um deles é justamente de mostrar um Nordeste que não é apenas o Nordeste tradicional que nós conhecemos e que o cinema costuma explorar, mas um lugar onde a tradição convive com a modernidade, com a globalização, com a industrialização. O cara é vaqueiro, mas usa brinco, quer trocar o cavalo, ou o jumento por uma moto, quer usar roupa de surfe.


A que atribui tanto entrosamento junto à menina Alyne Santana, coadjuvante no filme, e como elaborou o sotaque? Houve interferência da preparadora Fátima Toledo?



A Fátima ajudou muito no processo de construir as relações entre os personagens. Nunca é fácil trabalhar com não-atores, ainda mais crianças, é preciso muita atenção e muita generosidade, porque ali eu preciso me adaptar à ela, já que ela terá menos ferramentas para se adaptar a mim. E se de alguma maneira eu precisar conduzir a cena, isso tem que ser imperceptível para o público. É um jogo difícil e que eu adoro jogar. Quanto ao sotaque, é engraçado, mas a Fátima não ajudou em nada. A Fátima segue uma linha em que o ator já tem (ou deve ter) dentro dele tudo o que o personagem precisa e com os exercícios que ela propõe o ator busca em sua história e em sua sensibilidade as emoções que usará em cena. Eu acho que esse método pode ajudar muito, especialmente os não-atores, mas para um ator, além de ser muito dolorido (já pensou em dez filmes diferentes você ficar lembrando e mexendo com seus dramas, medos e demônios internos), o método não resolve tudo. Por exemplo, o sotaque. Ela não acredita em fazer um sotaque. Mas eu sabia que era fundamental, então esse trabalho eu tive que fazer por conta própria, com os ouvidos atentos a tudo, anotando expressões e passando os dias praticamente inteiros falando com esse sotaque.



Maeve Jinkings foi uma surpresa, em termos de parceria? O que ela acrescentou de mais positivo, na jornada? Se conheciam antes? Como vê tanta projeção de talentos de Brasília na telona e na telinha?



Ganhei uma amiga. Não nos conhecíamos. Eu sabia que ela era ótima atriz, já tinha visto filmes com ela e foi um grande prazer contracenar com Maeve. Mas a convivência é que foi muito rica. Dividíamos nossas dúvidas sobre o filme, sobre a preparação, conversávamos sobre interpretação, sobre cinema, sobre machismo, feminismo, política, alimentação. Fizemos algumas corridas juntos lá no sertão, eu puxei uns treinos físicos, uns alongamentos. Foi muito intenso, não tem como explicar o que foi ficar quase três meses longe de casa, sem internet, sem telefone, convivendo com os vaqueiros e os animais, comendo uma comida diferente daquela que estamos acostumados. Mas ganhei uma amiga e hoje é uma alegria quando nos encontramos nos bastidores de A Regra do Jogo.



Como vê tanta projeção de talentos de Brasília na telona e na telinha?



Sempre falo que Brasília é uma cidade perfeita para criar e formar artistas. É uma cidade linda, silenciosa, cheia de verde, de céu azul. Uma cidade onde almas sensíveis podem cultivar a beleza, a reflexão. Atores, músicos, artistas plásticos, arquitetos, tem inspiração para todos. Uma pena que o mercado seja tão fraco, o que faz com grande parte dessa galera precise sair para poder viver de sua arte.



O que tem colhido, com o personagem Merlô? Fazer graça parece algo tão natural (quanto inesperado) para você. Exige esforço?


Eu não diria que exige esforço, mas que exige energia. Comédia precisa de agilidade mental, de leveza, de atenção e sensibilidade para dar a piada no momento certo. Eu adoro fazer comédia. É natural para mim. Quando comecei a estudar artes cênicas, meu sonho era fazer peças de comédia à la Melhores do Mundo. Depois é que fui me apaixonando também pelo drama, pelos mergulhos mais profundos. Mas comédia é mais difícil de fazer que o drama. A comédia precisa da risada, da graça. O drama pode te tocar sem te levar às lágrimas. Mas o comediante precisa da gargalhada.



Bom é inevitável se falar de apelo sexual, quando vemos a novela e também o filme. Não é sempre que se masturba um cavalo, em cena (risos). Agora sério: Como você arquiteta o despudor em cena? Existe uma parcela de exibicionismo, como ator, a ser reclamada?


Primeiro vamos falar da vaidade. Quem não tem vaidade? Existe alguma coisa mais vaidosa do que uma pessoa que diz que não tem vaidades? O cúmulo da vaidade é a pessoa querer parecer que não tem vaidade nenhuma. Todos os artistas, mesmo os mais tímidos, tem alguma vaidade. A vaidade de querer se expressar, de achar que sua arte merece ser vista pelos outros, que o outro vai gostar, ou vai se emocionar, se relacionar com aquilo que o artista propôs. Sem vaidade não se faz arte. O fim da vaidade é a iluminação budista, o desapego total. Difícil. Não é o meu caso. Eu tenho a minha vaidade. Que não é, obviamente, a vaidade de estar bonito em cena, de usar tal roupa. É a minha vaidade de ator. Quero que meu trabalho seja reconhecido, quero emocionar as pessoas, quero que elas falem. ;Pô, esse maluco é corajoso. Ficou pelado, limpou rabo de boi, masturbou o cavalo.; ; Nossa, como ele se entrega pro papel!” Tenho a vaidade de querer fazer bons filmes, filmes desafiadores, tenho a vaidade de querer fazer protagonistas. Essa vaidade eu tenho mesmo e acho que ela é fundamental para o artista seja ele de qualquer área.


Você não teme ficar muito associado à erotização?


Sim, eu tenho essa preocupação. Eu sou ator que gosto de mudar de ir do drama para a comédia, da televisão, para o cinema, para o teatro, de fazer projetos populares e projetos ;cabeça;. Eu não quero ficar preso a rótulo nenhum. Para isso, tento escolher projetos diferentes, personagens diferentes; não é fácil. Diretores não costumam chamar atores e atrizes para coisas diferentes. Eles costumam nos chamar para fazer mais ou menos aquilo que já nos viram fazendo direito. Mas, no fundo, acho normal. Eu é que preciso lutar contra isso. Mas se um projeto é muito promissor, como era Boi Neon, eu não vejo problema em fazer só porque vai ter uma carga de erotização. Eu tenho que fugir dos personagens sem camisa, assim como outros atores precisam fugir do papel de intelectual, do papel de gordinho engraçado, da gostosona burra. É difícil, mas é parte do jogo.



Como proteger uma colega gestante, numa cena tão intensa quanto a do sexo de Boi neon?


A cena parece real. Mas é uma cena de cinema. Não somos atores pornô. Samya De Lavor, a grávida do filme, é atriz de teatro, seu marido é ator. Ou seja, tudo certo, tudo em casa. Não é fácil, a gente sente medo, sente vergonha, mas quando foi feito o convite a gente sabia que teria de fazer. Então, a questão é fazer com brilho. E a cena é linda. Eu tenho o maior orgulho dessa cena e desse filme. Foi difícil pra cacete, mas eu faria tudo de novo.



Qual o papel do homem na sociedade atual? E teu despreendimento com relação ao corpo é um reflexo ou estímulo na construção de arejamento na arte?



Acho que o papel de todos, homens ou mulheres, é tentar deixar um planeta e uma sociedade melhor do que encontramos. Nesse sentido, uma das tarefas dos homens é dar mais espaço para as mulheres, ouvi-las e respeitá-las. Mas também precisamos dar mais espaço aos negros, aos gays, aos trans. Cuidar dos mais pobres, dos mais vulneráveis. Precisamos ser mais éticos, mais transparentes, questionar tabus, questionar preconceitos, questionar estereótipos. Cada um fazendo a sua parte. Eu procuro contribuir trabalhando em projetos que vão nesse sentido, agindo eticamente, questionado e mudando meus preconceitos, meus defeitos.



Fernando Meirelles, José Eduardo Belmonte e Gabriel Mascaro: andar na corda-bamba, no fio da navalha, é uma escolha intencional?



Sim. Mas também é intencional fazer uma novela das nove, um filme como o que fiz com Daniel Filho, a comédia Sorria você está sendo filmado. Eu gosto da corda-bamba, do cinema de risco. E também gosto de projetos mais populares, gosto de chegar nas pessoas, no povo. Mas tendo saído de Brasília, das aulas e da Cia. dos Sonhos de Hugo Rodas, nunca vou abandonar o risco, o questionamento, a rebeldia, a liberdade de expressão.



Do que sente saudades de Brasília?


Sinto saudade de correr e pedalar pela cidade, de nadar no Lago Paranoá, de nadar no Minas. Sinto saudade de pegar o carro e dirigir por aí, de ir ao teatro no CCBB, na Caixa, no Teatro Nacional. Saudade de correr 10 Km e fazer uma massagem no Parque da Cidade. Saudade das charges do Kácio. Estou com muita saudade da Chapada dos Veadeiros, que não é Brasília, mas é Brasília. Saudade de fazer churrasco na casa dos amigos. Saudades da loucura boa do Hugo Rodas. E para sempre vou sentir saudades dos tempos de UnB.


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