Rui Martins - Especial para o Correio
postado em 18/02/2016 11:50
Chi-Raq, o novo filme de Spike Lee é uma peça de teatro com lances de comédia musical rap, simplesmente espetacular, que denuncia a violência diária nos Estados Unidos, envolvendo tanto negros como brancos.
Em Chicago Midwest morre tanta gente vítima de violência quanto num país em guerra, daí ter sido utilizada a contração das palavras Chicago e Iraque no título do filme, ou seja, Chi-Raq.
É uma adaptação de uma peça teatral grega de Aristófones, Lisístrata, escrita na época da guerra do Peloponeso envolvendo espartanos e troianos, enfraquecendo o país diante da ameaça de invasão persa. Na peça, Lisístrata, que seria hoje uma líder feminista, consegue convencer as mulheres a lançarem uma greve de sexo, se os homens não puserem um fim à guerra.
No filme, Lisístrata, bela negra de cabelos tipo Angela Davis, mobiliza a população feminina do Midwest Chicago, depois do assassinato de uma jovem, e em defesa da vida de seus filhos ou de seus irmãos, as mulheres declaram a greve do sexo, No peace, no pussy, que numa tradução livre, daria mais ou menos ; Sem paz não há trepada.
A situação se torna insustentável porque as mulheres se vestem de maneira ainda mais provocante, com suas coxas, seios e bundas quase nus, provocando desespero e mesmo crises de nervos na população masculina carente de sexo. E o filme mostra a greve de sexo se alastrando pelo mundo, até com feministas de São Paulo com cartazes na linguagem da periferia, prometendo não haver mais foda se continuar a violência.
É um filme a não se perder quando passar no Brasil. Logo depois da projeção de Chi-Raq, Spike Lee foi se encontrar com a imprensa e denunciou a insuportável violência nos Estados Unidos. Seguem alguns trechos selecionados.
"Só no mês de janeiro deste ano, foram assassinadas 53 pessoas nos EUA num aumento de mais de 80% sobre o ano passado. Já morreram neste ano 90 pessoas e, só nesta semana, 17 foram mortas a tiros".
"A juventude atual parece insensível à violência, que está por tudo, nos video-games, na televisão, na música, a violência é glorificada e se faz na mídia a apologia da violência de uma maneira atroz, de tal forma que, em Chicago, se tem a impressão de um retorno à selvageria".
"Quando há troca de tiros se contam os disparos como se fosse um video-game, dando a impressão de que para tais pessoas a vida não tem nenhum valor. Seja por tendência social ou por falta de melhor educação, isso é muito triste. A referência dos jovens se tornou a dos video-games. Os EUA se tornaram um país extremamente violento e as estatísticas de mortes dão a impressão de haver combates nas cidades".
E se Donald Trump for eleito presidente dos EUA?
"Bom, por enquanto ele é apenas candidato a candidato. Certos Estados americanos se utilizam da violência, considerando-a legítima quando isso lhes convém. Uma das razões dessa violência é o dinheiro e a ganância dentro da sociedade americana. E essa violência ocorre também entre os brancos, crianças de origem mexicanas são envenadas por produtos tóxicos. E é sempre assim, entre a vida humana e o dinheiro, é sempre o dinheiro quem ganha nos EUA. No setor público, a privatização faz com que as estruturas sejam deixadas ao abandono.
Eu e minha mulher decidimos não ir à cerimônia dos Oscars, não se trata de convocarmos um boicote, simplesmente nós não iremos. Cada ano, na categoria de atores, há 20 nominações para o Oscar. Ora, nos últimos dois anos, não houve nenhuma nominação para atores negros, como se pode chamar isso? Nos esportes, ocorre o inverso, há muitos negros. E tudo ia ser feito em silêncio, se eu e outros não tivéssemos protestado.
Mas não apelei ao boicote, simplesmente não iremos. Veja bem, aqui em Berlim, são sete jurados, mas no Oscar são 1500 jurados, sobre os quais são exercidas pressões e lobbing. E como se passam as coisas, são dois meses de filmagens e depois o resto do ano são premios e promoções do filme. Portanto, não vamos exagerar também a importância do Oscar, é uma tradição do passado. O problema no Oscar são os seus guardiãs ou responsáveis. Esse pessoal de alto nível, produtores nos estúdios, nas redes de televião e do mundo do cinema, se reúne a cada três meses e decide o que vamos ver, e depois enviam seus representantes ao júri. Falta diversidade própria do cinema. Foi o que eu disse ao receber o Oscar honorário.
As estatísticas dizem que em 2026 os americanos brancos serão minoria. Ora, mesmo se não acreditam na diversidade, sei que acreditam na força sacrossanta do dinheiro e do dólar, mas se não levarem em conta essa mudança de maioria demográfica será catastrófico porque existe um mercado enorme a se levar em consideração.
Depois do 11 de setembro a violência se espalhou pelo mundo e eu não votarei naqueles que utilizam a violência com o objetivo de salvar a economia. Se for para votar num democrata contra Trump, eu votarei democrata, com preferência para Bernie que vem do Brooklin. Outra coisa, o presidente viaja sempre com uma maleta onde está o código secreto no caso de guerra nuclear. Imaginem se Donald Trump tem acesso a essa maleta. Isso dá medo".