Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio
postado em 23/02/2016 07:33
Berlim ; O documentário italiano Fuocoammare foi o grande vencedor do Urso de Ouro no 66; Festival de Berlim, encerrado sábado passado. A vitória de um drama sobre o cotidiano de refugiados políticos que arriscam a vida para chegar à pequena ilha de Lampedusa, sul da Itália, reforça cada vez mais a disposição do festival em destacar o cinema político. ;O Mediterrâneo se transformou numa imensa tumba, a maior catástrofe desde o Holocausto;, destacou o diretor Gianfranco Rosi à imprensa. O cineasta é uma figura respeitada na cena europeia desde 2013, levou o Leão de Ouro no Festival de Veneza, com o documentário Sacro GRA, sobre as mazelas sociais e econômicas de Roma. Nesta entrevista ao Correio, Rosi destaca como focou sua lente na história de um menino de 12 anos, Samuele, que testemunha a chegada de famintos e feridos da África sem entender as razões de eles deixarem seus lares.
[SAIBAMAIS]Que metáfora você tenta construir com a Ilha de Lampedusa em relação à diáspora dos refugiados africanos?
O que eu tento, pelo contrário, é destruir qualquer metáfora e deixar em lugar delas uma experiência empírica única, que não seja totalizante e que me permita captar sensações. O documentário não existe para fechar argumentações em um signo específico. Documentários existem para forçar a abertura dos signos. E, para mim, esta abertura se dá na dicotomia entre ambiente e indivíduo, interior e exterior. Lampedusa não é metáfora. A ilha é um personagem que afeta a vida dos demais, inclusive por facilitar, com sua geografia, a chegada dos refugiados.
Como é que você avalia, por exemplo, a atual situação dos refugiados sírios?
Existe uma tragédia ocorrendo neste momento diante dos nossos olhos e somos todos responsáveis por ela. Eu não fiz este filme para salvá-los. Não é essa a responsabilidade do cinema. O que o cinema pode fazer é acabar com o nosso distanciamento. A ingenuidade de Samuele é um reflexo da nossa alienação. Quando nos damos conta dela, podemos começar a agir. Documentários estão aí para isso.
Por que você refuta o rótulo de ;filme político; para Fuocoammare?
Porque o que existe de político está na discussão por trás da situação dos refugiados. No filme estão sentimentos. Ele é sobre a condição existencial de pessoas que estão invisíveis aos olhos da mídia. E não falo só dos africanos, falo de pessoas comuns, de pescadores, de meninos como Samuele. A vida deles é maior do que o reconhecimento dos problemas políticos do mundo, do que a percepção do que está acontecendo ao redor de Lampedusa. São pessoas. E pessoas expressam o que sentem por gestos que podem nos levar a impressões verdadeiras ou falsas. Não sou eu, como cineasta, que devo fazer afirmações, teses. São as pessoas. Meu papel é registrar o que elas fazem e falam e, a partir desse registro, tentar compreender as suas sensações mais internas. O filme que me interessa está dentro de Samuele.
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