A escritora gaúcha Clara Averbuck desembarca hoje (2/03) em Brasília para sessão de autógrafos e lançamento de Toureando do diabo, livro realizado em parceria com a ilustradora e amiga Eva Uviedo. O encontro com o público está marcado para 29h, no Balaio Café (CLN 201 Bloco B Loja 19/31). O sexto livro de Clara retoma a história de Camila, personagem de Vida de gato, terceiro romance da escritora. Agora, Camila, que é escritora, passa por uma crise criativa e se isola no mato na tentativa de escrever um novo romance. A estratégia fracassa e ela precisa retornar à cidade, um espaço no qual se sente confortável e mais propício ao processo criativo, como ela acaba por descobrir.
A ideia do livro nasceu quando a própria autora foi passar um ano novo com amigas em Minas Gerais. ;Fiquei imaginando que furada seria se eu fosse pra um mato escrever, porque eu preciso de vida, gente, eletricidade, esquinas, padarias, bares, enfim, esse tipo de isolamento não funciona pra mim;, conta. Um financiamento coletivo com apoio de 600 leitores em potencial ajudou a tocar o projeto, cuja ideia inicial era ser mais um romance com ilustrações.
Mas o livro atrasou e Clara se deu conta, seis meses depois, de que ela e Eva não precisavam seguir um modelo de romance. Decidiu então seguir por outro caminho. ;Não tinha editora, não tinha impedimento nenhum, e foi quando começamos realmente a produzir juntas o que veio a ser o livro. Descartamos muito, mas muito texto, fomos buscar em bilhetes, em cadernos, em caixas coisas que se encaixassem naquela narrativa, que foi sendo costurada pelas ilustrações, que também mudaram dezenas de vezes. Foi um processo muito legal, mas poderia ter sido melhor se não sentíssemos uma pressão muito grande pra entregar logo o projeto;, conta.
Feminista assumida, uma das autoras do blog Lugar de mulher, Clara ficou conhecida quando seu primeiro romance, Máquina de pinball, ganhou uma montagem para o teatro e inspirou o filme Nome próprio, de Murilo Salles.
Por que escreveu Toureando o diabo?
Bom, porque eu sou escritora e é isso que eu faço, rs. Camila é uma personagem mulher com conflitos e questões e que está inserida neste mundo em que vivemos. Eu quis amadurecer uma personagem que eu já tinha e que apareceu nos meus dois primeiros livros, pois gosto demais dela e não queria que ela ficasse parada no limbo de 2001 dizendo que era uma ;mulherzinha com bolas;, rs. Eu quis construir a Camila como uma mulher forte, mas humana, com fragilidades, que cai em cilada, que tomba e levanta, que faz besteira e se toca, que tem crises, enfim, uma mina com nuances e humanidade. Minha convivência com mulheres me fez ver que passamos por muitas situações em comum, muitas situações ruins, às vezes de abuso, e que sentimos vergonha por isso, tentamos até ignorar pra não ser tachadas de fracas, de ;cheia de mimimi;. Saber que muitas mulheres passam por isso é ao mesmo tempo horrível e um alívio, pois sentimos que não estamos sozinhas, e essa foi uma das minhas intenções com o amadurecimento da Camila.
Como aconteceu a parceria com a Eva Uviedo? Como foi o diálogo entre vocês?
A Eva é minha parceira há anos, temos outro livro juntas, o Nossa Senhora da Pequena Morte, que pretendemos republicar, e ela fez as capas de todos os meus livros, mas o processo criativo desse foi diferente. Foi realmente uma coautoria. Foram noites e noites no estúdio dela cortando texto, pensando em desenhos, procurando em bilhetes e cadernos coisas que se encaixassem na narrativa que estávamos criando. Descartamos muito texto, acho até que dá pra dizer que algumas partes foram substituídas por desenhos. O livro fala muito de sentimentos e a Eva tem essa série que chama Sobre amor e outros peixes, que usa os seres do mar como analogias para as nuances e sutilezas que envolvem os relacionamentos humanos como amor, dependência, carinho, dominação, paixão, e essas analogias se entrelaçam de forma vital com o texto.
O que há de autobiográfico no texto?
É engraçado que eu escute essa pergunta há 15 anos, desde que comecei a publicar, e tantos outros escritores homens, que assumidamente usam a vida como matéria-prima, jamais tenham que responder isso. Não importa, importa? Um livro é um livro, a partir do momento em que está escrito é literatura e a última coisa que importa é se aconteceu ou não.
Muitos escritores escrevem sobre escritores que não conseguem escrever. Por que, na sua opinião, isso acontece na literatura?
Porque é uma meta linguagem massa. Escrever sobre não escrever é escrever, afinal.