Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Artistas se destacam em campos que antes eram tipicamente masculinos

No Dia da Mulher, o Diversão & Arte dá voz as mulheres que ganham cada vez mais espaço no universo artístico

Durante muitos anos, foram os homens que dominaram vários âmbitos da arte. Com o passar do tempo e as mudanças pelas quais a sociedade passou, as mulheres começaram a se inserir oficialmente nas diversas áreas artísticas. Hoje a sociedade vive um momento de redescoberta de artistas que foram subtraídas da história e também do surgimento (e reconhecimento) de diversas mulheres trabalhando em áreas antes conhecidas como tipicamente masculinas, como o cinema, o grafite e até alguns espaços dentro do mundo da música. ;A história é contada por um prisma masculino. Vamos descobrindo trabalho de mulheres em diversos ramos, como a literatura ou o cinema. Mas ainda é preciso mudar a cultura, principalmente a de gênero. Mesmo que as mulheres tenham avançado, elas correm riscos. É preciso trazer a realidade e a sensibilidade feminina para a arte. Vamos feminilizar o mundo;, analisa a professora da Universidade de Brasília (UnB) e doutora em comunicação audiovisual, Tânia Siqueira Montoro.

No Dia Internacional da Mulher, o Diversão apresenta histórias de artistas que mesmo enfrentando preconceitos e a falta de oportunidade se enveredam e se destacam em âmbitos até então dominados por homens. ;Esse é um debate importante, acredito que discursos como os que tivemos no Oscar de 2015 expondo o problema (a diferença salarial entre homens e mulheres no cinema) dão visibilidade ao que ainda acontece;, completa Tânia.

1. Cinema

As mulheres são minoria nos cargos de criação no cinema; apenas 7% estão na direção e 11%, responsáveis pelos roteiros dos filmes blockbusters internacionais, segundo pesquisa do Centro de Estudo da Mulher na Televisão e no Cinema, em San Diego (EUA). Apesar de os números serem desanimadores, em Brasília, há várias delas lutando por seu espaço. A cineasta Adriana Vasconcelos, que atualmente trabalha na finalização do filme 3x4, é um desses exemplos. No mais recente edital, ela era a única mulher entre os vencedores. Uma estranha no ninho, como classifica. ;Acho que a minha primeira insegurança de ser diretora era em função de ser mulher. Porque ainda quando eu estudava eram sempre os homens que dirigiam e as mulheres, no máximo, iam para a produção. Era uma visão de que ;tudo bem, a mulher pode fazer documentário e ser produtora e o homem pode fazer ficção;. Esse mercado não era das mulheres;, lembra. Em suas produções, ela tem como foco inserir a mulher como protagonista e criou uma produtora, a Agridoce Filmes, com o objetivo de abrir mais espaço para o olhar feminino. ;Acho que é preciso ter uma política pública, como editais só para mulheres. Um incentivo por parte do governo;, completa.

A cineasta Flora Egécia dirigiu recentemente o documentário Das raízes às pontas com uma equipe majoritariamente feminina, roteiro de Débora Morais e direção de arte de Bianca Novais. A diretora revela que a ausência das mulheres no cinema tem a ver com a falta de representatividade social. ;É uma relação que anda junto. Os personagens masculinos são mais complexos e reais, os nossos são mais raros e rasos. Isso é um reflexo de ocuparmos menos espaços nos cargos de direção e nas áreas criativas. Esse estereótipo não está só nos filmes, mas no que a gente vive;, afirma. Mesmo assim, a diretora diz que acha que a situação está melhorando. ;Vejo uma movimentação acontecendo lentamente por parte das produções independentes e do estado, com editais e mostras com produções culturais feitas por mulheres;, conta.

2. Grafite
A começar por ser uma arte até então marginalizada, o grafite demorou a abrir espaço para as meninas. Pelo menos é esse o estereótipo, mas a jovem Siren, como é conhecida a brasiliense Camilla Santos, mostra que a história não é bem assim. ;Entre meu grupo de amigos que costumam grafitar nunca houve nenhuma distinção por eu ser mulher. Mas entre pessoas que passam e veem trabalhos, percebo esse preconceito;, afirma. Siren lembra que uma vez ela e um amigo pintavam juntos, quando um senhor os notou. ;Ele se aproximou e parabenizou meu amigo pelo trabalho. Ele não pensou que aquele trabalho poderia ser meu;, lembra.

Siren afirma que existem muitas mulheres que gostam de desenhar, mas preferem guardar em segredo. ;Agora, uma de cada vez, elas estão saindo e marcando sua arte nas paredes, neste território tão masculino;, diz orgulhosa. A jovem acredita que é muito importante que as mulheres apostem na arte. ;Quanto mais meninas saem para expor seus trabalhos, mais terão coragem de fazê-lo. Meus pais não queriam me deixar sair assim, sozinha. Não por estar grafitando, mas por medo de algum tipo de violência;, revela. Segundo ela, esse é um receio constante. ;Levo cerca de 40 minutos ou uma hora para terminar um trabalho mais elaborado,; por ser mulher, fico com medo de alguém aparecer e me atacar;, completa.

3. Capoeira

No último mês, a cantora e capoeirista brasiliense Naiara Lira lançou oficialmente no Clube do Choro o espetáculo Camboatá, em que divide o palco com mais duas mulheres (Mabô e Leticia Nascimento) em uma performance em que valoriza cantigas que falam sobre três representantes na luta: dona Maria do Camboatá, Aidê e Salomé. O objetivo é homenagear as mulheres na capoeira. ;A presença feminina nas rodas é um espaço que está sendo conquistado. Antes a mulher era vista como algo para enfeitar, não para jogar. No máximo, tocar o berimbau, nunca ser a cantadora da roda. Tem várias cantigas que são machistas, mas há grupos que já fazem um trabalho para alterar essas músicas;, diz. A Capoeira de Angola, por exemplo, mudou várias das cantigas. ;Não faz sentido uma mulher estar jogando ao som de uma cantiga machista;, defende.

4. Viola caipira
As manifestações da música caipira no DF e no restante do Brasil sempre estiveram mais ligadas à presença dos violeiros. Assim como na capoeira, essa tendência tinha muito a ver com o machismo inerente à figura antiga do caipira rústico. Mas a discriminação e a falta de reconhecimento não foram responsáveis por afastar as mulheres. Pelo contrário, a cada dia que passa há mais mulheres tocando e cantando a música caipira.

Em Brasília, já existem algumas delas representando o gênero. Uma das mais conhecidas e celebradas é a dupla Karen e Pâmella Viola, que toca na capital federal. ;De 2013 pra cá a quantidade de mulheres que tocam viola caipira cresceu em um número considerável por todo o Brasil. Quando eu comecei, em 2007, enfrentei muito preconceito. Eu estava acostumada a ser a única mulher no meio dos violeiros. Mas há dois anos percebi esse número crescente quando participei de um encontro de violeiras;, conta Karen. A artista ressalta que o Encontro Nacional de Violeiras, que ocorre todos os anos em Mato Grosso, reunindo duplas e artistas solos de viola caipira. ;O movimento está crescendo, mas há representantes há muito tempo, basta lembrar nomes como Juliana Andrade e Jucimara, Helena Meirelles, a falecida Inezita Barroso e a própria Hebe Camargo, que formou uma dupla caipira com a irmã;, lembra.

5. Rap
;O rap exclui, mas não é exclusividade do estilo;, assim Lívia Cruz, cantora pernambucana, radicada em Brasília, percebe a presença feminina no gênero. Segundo ela, durante os 15 anos em que faz parte do ritmo, o cenário já mudou e a situação da mulher melhorou, apesar de estar longe do ideal. ;Temos que atuar e tomar os nossos espaços na cultura que nos identificamos, seja ela qual for. No rap, vejo uma importância ainda maior, pela nossa caraterística essencial de ser a voz dos excluídos;, afirma. A artista já foi alvo de preconceito no meio e lembra: ;Somos colocadas em duas caixinhas: a princesa ou da vagabunda;. Para ela, isso causa uma confusão na cabeça das jovens. ;O tempo me trouxe a maturidade para entender que, quando a gente se assume, se aceita, luta e se respeita, o mundo é obrigado a nos respeitar;, reflete a cantora.

O gênero vive atualmente um momento complicado. ;Mais do que nunca têm sido lançadas músicas com letras sem o menor pudor e cuidado (muitas vezes, de desrespeito à mulher), estamos na moda e isso multiplicou drasticamente a quantidade de produções;. Lívia Cruz ainda complementa: ;Muita gente se utiliza dessa estética sem ter base ou conhecimento pela essência dela. O rap e o hip-hop não são misóginos e machistas; as pessoas é que são;.

6. Tatuagem
O universo da tatuagem encara, por si só, preconceito.
As mulheres dentro desse meio sofrem com uma discriminação extra; além dos maus olhos que a sociedade carrega sobre essa forma de arte, os clientes e os colegas não abraçam totalmente as artistas. ;A maioria das mulheres quando fala sobre ser tatuadora é reprimida até pela família;, afirma a tatuadora Hosani de Souza Finotelli, mais conhecida como Medusa.

Elas são pouco conhecidas, mas competentes. ;Melhorou muito desde que comecei, hoje em dia temos ótimas meninas tatuando, e elas estão ganhando espaço, basta ir às convenções para ver como o número de mulheres cresce;, comenta. Medusa diz que o mundo da tatuagem já foi um ambiente muito hostil com as mulheres. ;Quando comecei, a mulher não tinha chance para nada. Já vi muita gente entrando no estúdio e falando: ;Pô, mulher tatuando, não vou fazer não, tá ficando doido;;, lembra.

Saiba mais sobre alguns projetos das artistas


Homenagem às mulheres da viola caipira
A dupla Karen e Pâmella Viola está gravando um disco que será um tributo as damas da música caipira. O álbum terá como objetivo contar a história da música caipira por meio da vida de cantoras e violeiras que marcaram o estilo musical. "Tem muita dupla e cantora boa, que nem a gente conhecia. Será uma forma de mostrar o que as mulheres ofereceram de bom ao ritmo", conta Karen.

Pela mulher no cinema

A cineasta Adriana Vasconcelos está em fase de finalização do filme 3x4. A ficção protagonizada por quatro mulheres conta a história de Madalena, que é mãe de Sônia, que é mãe de Júlia, que é mãe de Camila. O longa-metragem retrata a história de uma família de mulheres diferentes, mas presas aos acontecimentos e tragédias. Adriana também possui uma produtora Agridoce Filmes, que tem o projeto de coproduzir filmes com mulheres.

Performance feminina

O espetáculo Camboatá, idealizado por Naiara Lira que estreou neste ano no Brasil, conta a história de três mulheres que são cantadas em muitas cantigas da capoeira. A Dona Maria Camboatá, que representa a força; a Salomé que foi uma capoeirista que representa a sabedoria e a Aidê, uma negra africana que tinha magia no cantar e representa essa liberdade da mulher. O projeto mistura dança, luta, música e performance.