Diversão e Arte

Artistas se destacam em campos que antes eram tipicamente masculinos

No Dia da Mulher, o Diversão & Arte dá voz as mulheres que ganham cada vez mais espaço no universo artístico

Adriana Izel, Renata Rios
postado em 08/03/2016 07:00

Cineasta Adriana Vasconcelos

Durante muitos anos, foram os homens que dominaram vários âmbitos da arte. Com o passar do tempo e as mudanças pelas quais a sociedade passou, as mulheres começaram a se inserir oficialmente nas diversas áreas artísticas. Hoje a sociedade vive um momento de redescoberta de artistas que foram subtraídas da história e também do surgimento (e reconhecimento) de diversas mulheres trabalhando em áreas antes conhecidas como tipicamente masculinas, como o cinema, o grafite e até alguns espaços dentro do mundo da música. ;A história é contada por um prisma masculino. Vamos descobrindo trabalho de mulheres em diversos ramos, como a literatura ou o cinema. Mas ainda é preciso mudar a cultura, principalmente a de gênero. Mesmo que as mulheres tenham avançado, elas correm riscos. É preciso trazer a realidade e a sensibilidade feminina para a arte. Vamos feminilizar o mundo;, analisa a professora da Universidade de Brasília (UnB) e doutora em comunicação audiovisual, Tânia Siqueira Montoro.

No Dia Internacional da Mulher, o Diversão apresenta histórias de artistas que mesmo enfrentando preconceitos e a falta de oportunidade se enveredam e se destacam em âmbitos até então dominados por homens. ;Esse é um debate importante, acredito que discursos como os que tivemos no Oscar de 2015 expondo o problema (a diferença salarial entre homens e mulheres no cinema) dão visibilidade ao que ainda acontece;, completa Tânia.

1. Cinema

As mulheres são minoria nos cargos de criação no cinema; apenas 7% estão na direção e 11%, responsáveis pelos roteiros dos filmes blockbusters internacionais, segundo pesquisa do Centro de Estudo da Mulher na Televisão e no Cinema, em San Diego (EUA). Apesar de os números serem desanimadores, em Brasília, há várias delas lutando por seu espaço. A cineasta Adriana Vasconcelos, que atualmente trabalha na finalização do filme 3x4, é um desses exemplos. No mais recente edital, ela era a única mulher entre os vencedores. Uma estranha no ninho, como classifica. ;Acho que a minha primeira insegurança de ser diretora era em função de ser mulher. Porque ainda quando eu estudava eram sempre os homens que dirigiam e as mulheres, no máximo, iam para a produção. Era uma visão de que ;tudo bem, a mulher pode fazer documentário e ser produtora e o homem pode fazer ficção;. Esse mercado não era das mulheres;, lembra. Em suas produções, ela tem como foco inserir a mulher como protagonista e criou uma produtora, a Agridoce Filmes, com o objetivo de abrir mais espaço para o olhar feminino. ;Acho que é preciso ter uma política pública, como editais só para mulheres. Um incentivo por parte do governo;, completa.

Flora Egécia e a equipe do Estúdio Cajuína (Natália Pires, Sofia Moraes, Débora Morais e Clarissa Gianni)A cineasta Flora Egécia dirigiu recentemente o documentário Das raízes às pontas com uma equipe majoritariamente feminina, roteiro de Débora Morais e direção de arte de Bianca Novais. A diretora revela que a ausência das mulheres no cinema tem a ver com a falta de representatividade social. ;É uma relação que anda junto. Os personagens masculinos são mais complexos e reais, os nossos são mais raros e rasos. Isso é um reflexo de ocuparmos menos espaços nos cargos de direção e nas áreas criativas. Esse estereótipo não está só nos filmes, mas no que a gente vive;, afirma. Mesmo assim, a diretora diz que acha que a situação está melhorando. ;Vejo uma movimentação acontecendo lentamente por parte das produções independentes e do estado, com editais e mostras com produções culturais feitas por mulheres;, conta.

2. Grafite
No Dia da Mulher, o Diversão & Arte dá voz as mulheres que ganham cada vez mais espaço no universo artísticoA começar por ser uma arte até então marginalizada, o grafite demorou a abrir espaço para as meninas. Pelo menos é esse o estereótipo, mas a jovem Siren, como é conhecida a brasiliense Camilla Santos, mostra que a história não é bem assim. ;Entre meu grupo de amigos que costumam grafitar nunca houve nenhuma distinção por eu ser mulher. Mas entre pessoas que passam e veem trabalhos, percebo esse preconceito;, afirma. Siren lembra que uma vez ela e um amigo pintavam juntos, quando um senhor os notou. ;Ele se aproximou e parabenizou meu amigo pelo trabalho. Ele não pensou que aquele trabalho poderia ser meu;, lembra.

Siren afirma que existem muitas mulheres que gostam de desenhar, mas preferem guardar em segredo. ;Agora, uma de cada vez, elas estão saindo e marcando sua arte nas paredes, neste território tão masculino;, diz orgulhosa. A jovem acredita que é muito importante que as mulheres apostem na arte. ;Quanto mais meninas saem para expor seus trabalhos, mais terão coragem de fazê-lo. Meus pais não queriam me deixar sair assim, sozinha. Não por estar grafitando, mas por medo de algum tipo de violência;, revela. Segundo ela, esse é um receio constante. ;Levo cerca de 40 minutos ou uma hora para terminar um trabalho mais elaborado,; por ser mulher, fico com medo de alguém aparecer e me atacar;, completa.

3. Capoeira

No Dia da Mulher, o Diversão & Arte dá voz as mulheres que ganham cada vez mais espaço no universo artísticoNo último mês, a cantora e capoeirista brasiliense Naiara Lira lançou oficialmente no Clube do Choro o espetáculo Camboatá, em que divide o palco com mais duas mulheres (Mabô e Leticia Nascimento) em uma performance em que valoriza cantigas que falam sobre três representantes na luta: dona Maria do Camboatá, Aidê e Salomé. O objetivo é homenagear as mulheres na capoeira. ;A presença feminina nas rodas é um espaço que está sendo conquistado. Antes a mulher era vista como algo para enfeitar, não para jogar. No máximo, tocar o berimbau, nunca ser a cantadora da roda. Tem várias cantigas que são machistas, mas há grupos que já fazem um trabalho para alterar essas músicas;, diz. A Capoeira de Angola, por exemplo, mudou várias das cantigas. ;Não faz sentido uma mulher estar jogando ao som de uma cantiga machista;, defende.

4. Viola caipira
No Dia da Mulher, o Diversão & Arte dá voz as mulheres que ganham cada vez mais espaço no universo artísticoAs manifestações da música caipira no DF e no restante do Brasil sempre estiveram mais ligadas à presença dos violeiros. Assim como na capoeira, essa tendência tinha muito a ver com o machismo inerente à figura antiga do caipira rústico. Mas a discriminação e a falta de reconhecimento não foram responsáveis por afastar as mulheres. Pelo contrário, a cada dia que passa há mais mulheres tocando e cantando a música caipira.

Em Brasília, já existem algumas delas representando o gênero. Uma das mais conhecidas e celebradas é a dupla Karen e Pâmella Viola, que toca na capital federal. ;De 2013 pra cá a quantidade de mulheres que tocam viola caipira cresceu em um número considerável por todo o Brasil. Quando eu comecei, em 2007, enfrentei muito preconceito. Eu estava acostumada a ser a única mulher no meio dos violeiros. Mas há dois anos percebi esse número crescente quando participei de um encontro de violeiras;, conta Karen. A artista ressalta que o Encontro Nacional de Violeiras, que ocorre todos os anos em Mato Grosso, reunindo duplas e artistas solos de viola caipira. ;O movimento está crescendo, mas há representantes há muito tempo, basta lembrar nomes como Juliana Andrade e Jucimara, Helena Meirelles, a falecida Inezita Barroso e a própria Hebe Camargo, que formou uma dupla caipira com a irmã;, lembra.

5. Rap
No Dia da Mulher, o Diversão & Arte dá voz as mulheres que ganham cada vez mais espaço no universo artístico;O rap exclui, mas não é exclusividade do estilo;, assim Lívia Cruz, cantora pernambucana, radicada em Brasília, percebe a presença feminina no gênero. Segundo ela, durante os 15 anos em que faz parte do ritmo, o cenário já mudou e a situação da mulher melhorou, apesar de estar longe do ideal. ;Temos que atuar e tomar os nossos espaços na cultura que nos identificamos, seja ela qual for. No rap, vejo uma importância ainda maior, pela nossa caraterística essencial de ser a voz dos excluídos;, afirma. A artista já foi alvo de preconceito no meio e lembra: ;Somos colocadas em duas caixinhas: a princesa ou da vagabunda;. Para ela, isso causa uma confusão na cabeça das jovens. ;O tempo me trouxe a maturidade para entender que, quando a gente se assume, se aceita, luta e se respeita, o mundo é obrigado a nos respeitar;, reflete a cantora.

O gênero vive atualmente um momento complicado. ;Mais do que nunca têm sido lançadas músicas com letras sem o menor pudor e cuidado (muitas vezes, de desrespeito à mulher), estamos na moda e isso multiplicou drasticamente a quantidade de produções;. Lívia Cruz ainda complementa: ;Muita gente se utiliza dessa estética sem ter base ou conhecimento pela essência dela. O rap e o hip-hop não são misóginos e machistas; as pessoas é que são;.

6. Tatuagem
No Dia da Mulher, o Diversão & Arte dá voz as mulheres que ganham cada vez mais espaço no universo artísticoO universo da tatuagem encara, por si só, preconceito.
As mulheres dentro desse meio sofrem com uma discriminação extra; além dos maus olhos que a sociedade carrega sobre essa forma de arte, os clientes e os colegas não abraçam totalmente as artistas. ;A maioria das mulheres quando fala sobre ser tatuadora é reprimida até pela família;, afirma a tatuadora Hosani de Souza Finotelli, mais conhecida como Medusa.

Elas são pouco conhecidas, mas competentes. ;Melhorou muito desde que comecei, hoje em dia temos ótimas meninas tatuando, e elas estão ganhando espaço, basta ir às convenções para ver como o número de mulheres cresce;, comenta. Medusa diz que o mundo da tatuagem já foi um ambiente muito hostil com as mulheres. ;Quando comecei, a mulher não tinha chance para nada. Já vi muita gente entrando no estúdio e falando: ;Pô, mulher tatuando, não vou fazer não, tá ficando doido;;, lembra.

Saiba mais sobre alguns projetos das artistas


Homenagem às mulheres da viola caipira
A dupla Karen e Pâmella Viola está gravando um disco que será um tributo as damas da música caipira. O álbum terá como objetivo contar a história da música caipira por meio da vida de cantoras e violeiras que marcaram o estilo musical. "Tem muita dupla e cantora boa, que nem a gente conhecia. Será uma forma de mostrar o que as mulheres ofereceram de bom ao ritmo", conta Karen.

Pela mulher no cinema

A cineasta Adriana Vasconcelos está em fase de finalização do filme 3x4. A ficção protagonizada por quatro mulheres conta a história de Madalena, que é mãe de Sônia, que é mãe de Júlia, que é mãe de Camila. O longa-metragem retrata a história de uma família de mulheres diferentes, mas presas aos acontecimentos e tragédias. Adriana também possui uma produtora Agridoce Filmes, que tem o projeto de coproduzir filmes com mulheres.

Performance feminina

O espetáculo Camboatá, idealizado por Naiara Lira que estreou neste ano no Brasil, conta a história de três mulheres que são cantadas em muitas cantigas da capoeira. A Dona Maria Camboatá, que representa a força; a Salomé que foi uma capoeirista que representa a sabedoria e a Aidê, uma negra africana que tinha magia no cantar e representa essa liberdade da mulher. O projeto mistura dança, luta, música e performance.

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