Diversão e Arte

Plateia reage a comentário anti-Lula e musical de Chico Buarque é suspenso

Ator Cláudio Botelho cita de improviso a prisão "de um ex-presidente ladrão" e fala sobre "uma presidente ladra" na estreia do espetáculo em BH; parte do público vaia e grita em coro "Não vai ter golpe" até sessão ser cancelada

Estado de Minas, Silvana Arantes
postado em 20/03/2016 14:09
Claudio Botelho e Soraya Ravenle em cena do musical que não chegou a ser apresentada na sessão em BH
Após um comentário aparentemente improvisado em cena pelo ator e diretor Cláudio Botelho, sugerindo a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e chamando a presidente Dilma Rousseff de "ladra", a primeira sessão do espetáculo "Todos os musicais de Chico Buarque em 90 minutos" em Belo Horizonte, na noite de sábado (19/3), foi suspensa, aos gritos de "Não vai ter golpe", proferidos por uma parcela do público, que assim reagiu ao "caco" do ator.

Chamada pela produção do espetáculo, sob a justificativa de que o protagonista do musical se sentia "coagido em seu camarim" e temia ser "agredido fisicamente" caso tentasse deixá-lo, a Polícia Militar deslocou ao menos três viaturas para a portaria do Sesc Palladium, na região central, por volta das 22h30.

Em "Todos os musicais de Chico Buarque em 90 minutos", Botelho interpreta o líder de uma companhia teatral em giro por pequenas cidades do interior do país. Como narrador da história, ele faz curtos monólogos, intercalados às cenas propriamente musicais.

Aproximadamente na metade do espetáculo, o ator se refere à chegada da trupe a uma cidade muito pequena e num momento muito inoportuno para atrair a atenção do público ao teatro. "Era a noite do último capítulo da novela das oito", disse. E acrescentou: "Era também a noite em que um ex-presidente ladrão foi preso". Citou ainda "uma presidente ladra", cujo destino (se o impedimento ou os tribunais) esta repórter não foi capaz de registrar.

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A esta altura, parte da plateia começou a vaiar e outra parcela, a aplaudir. As vaias se intensificaram. Botelho demonstrou surpresa: "Belo Horizonte?! Minha cidade?". Ele tentou retomar o curso da cena, afirmando que o público vaiava uma ficção. Mas, do palco, avistou o início de uma debandada de espectadores, aos quais se dirigiu com uma sugestão: "Vai embora? Vai mesmo! E passa na bilheteria para pegar o seu dinheiro de volta. Isso para mim é um orgulho. Isso para mim não tem preço". Aos demais, anunciou: "Vou esperar o êxodo terminar para continuar o espetáculo".

Alguns dos que neste momento se levantavam para dar as costas ao musical voltaram-se ainda uma vez para Botelho, chamando-o de "trouxa" e "babaca". Numa dramaturgia espontânea, a caminho da saída do teatro, o êxodo se interrompeu. Um grupo de espectadores preferiu se unir e permanecer na lateral da sala. Todos de pé, junto às portas de saída, gritavam (ritmadamente) "Não vai ter golpe, "Não vai ter golpe".

Os gritos se alongavam, intercalando-se com os de "Chico! Chico. Botelho tentou seguir com a cena. Houve intensas vaias. "Isso é típico de vocês! Vocês querem parar o espetáculo", dizia ele, do palco.

Já bastante tenso, o ator e diretor declarou a sessão encerrada. A atriz e coprotagonista do musical Soraya Ravenle discordou da decisão. Com gestos inquietos, insistiu para que a técnica ligasse seu microfone e propôs a todos a volta "à música de Chico Buarque de Hollanda". "Chega de guerra", pediu.

Soraya cantava. Os espectadores indignados com o comentário de Botelho vaiavam. Os demais aplaudiram ao final e se voltaram para o grupo que protestava com outras palavras de ordem: "Vai embora! Vai embora".

Botelho retornou ao palco para um dueto, de "Biscate". As vaias não cediam. O elenco todo dava sinais de nervosismo e tensão, com atores conversando entre si e gesticulando intensamente no palco. Botelho declarou a sessão suspensa e esbravejou na ponta do palco, com o braço estendido na direção da plateia, enquanto um membro do staff tentava contê-lo: "Vocês são como a ditadura! Vocês pararam o espetáculo! Vocês pararam Roda viva"

Com um aviso sonoro, a produção se desculpou e pediu aos espectadores que se dirigissem à bilheteria para os procedimentos de devolução dos valores pagos pelos ingressos (entre R$ 25 e R$ 100).

Fechada a cortina, o público começou a deixar o teatro, com opiniões díspares. "Não fui a nenhuma manifestação. Não fui à do dia 13 (pró-impeachment) e não iria à do dia 18 (pró-Dilma), porque acho o governo do PT indefensável", disse o estudante de Direito da UFMG Bruno Bicalho, de 18 anos.

"Isso que aconteceu aqui, para mim, é sinal de intolerância e dessa falsa divisão que se criou na eleição de 2014, porque, no fundo, estavam todos defendendo a mesma coisa", afirmou. Ao lado de Bruno, a também estudante Julia Brant disse: "Estou atônita. Não sei quem vai ganhar no final, mas acho que estamos todos perdendo".

O professor de geografia Silvânio Fortini estava entre os que reagiram ao improviso de Botelho. "O que me indignou foi ele se apropriar da obra de Chico Buarque, um cara que hoje vive sendo achincalhado por suas posições políticas, para defender o contrário do que ele propõe. Acho que ele não sabe com que obra está lidando. Isso me indignou, além de ele ter agredido a plateia."

Fortini achou inadequado também que o ator incluísse no espetáculo a questão que hoje é motivo de atrito e discussões exaltadas em outros ambientes. "Eu não estou aqui para discutir a questão política. Eu vim ver um espetáculo."

A professora de português Salete Gualtieri achou o episódio "triste, muito triste" e julgou "um absurdo" a interrupção do musical. "Parar o show por causa disso? Eles que saíssem! Mas esses petistas parecem doentes."

O Sargento Filho estava no velório de um policial quando ouviu o chamado do Sesc Palladium, "onde um ator fez uma piada de mau gosto, e a plateia levou a mal", pelo que ele ficou sabendo. Segundo o chamado, o ator se sentia ameaçado de apanhar de um público numeroso. O policial diz que acelerou o motor da viatura, porque havia outras demandas mais urgentes na frente desta, que, no entanto, ele não queria deixar desatendida.

"Nosso papel é defender as minorias. E se tem uma maioria querendo bater num ator, a gente vem", disse, antes de comentar, mineiramente, sobre a origem da confusão. "Piada é aquela coisa... Da gente mesmo (a polícia) falam tanta coisa, né?"

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