Diversão e Arte

Curador tem função de estabelecer diálogos e observar tendências

Este profissional tem uma função primordial na arte contemporânea: fazer pontes. É ele quem propõe maneiras de se ler as obras

Nahima Maciel
postado em 29/03/2016 07:31

Rodrigo Cruz:

Ao contrário do artista, figura tão antiga quanto a própria civilização, o curador é um personagem novato da história da arte. Assim como o maestro na música. Nos tempos de Mozart o regente não existia e o papel de condutor era assumido por um dos músicos. Nos tempos de Michelangelo, Rembrandt ou Monet, curadores de arte sequer existiam. De repente, no século 20, essa nova profissão nascida graças ao crescimento do mercado de arte passou a tomar a dianteira da história. Curadores se tornaram elos entre artistas e instituições, ganharam protagonismo em um cenário no qual a legitimidade para apontar o que é ou não relevante depende de forças complexas.

O poder é algo que ronda a figura do curador, mas é a capacidade de distanciamento, leitura das obras e aproximação entre público e arte o lado mais importante de sua atuação. ;A tarefa do curador é fazer o distanciamento e gerar possibilidades de leitura para a obra, são possibilidades de composição de uma sentença, cuidando que haja sempre um respeito ao contexto original;, explica Marília Panitz, coordenadora do programa educativo do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e ex-professora da Universidade de Brasília (UnB).

Para artistas como Eduardo Belga e Rodrigo Cruz, a atuação do curador costuma ser importante e enriquecedora, especialmente quando o artista debuta em uma cena na qual ser visto não depende exclusivamente da qualidade do trabalho. ;O curador tem a função de juntar os artistas, é uma figura central que junta outras, às vezes em torno de uma questão temática, às vezes pelo puro interesse no trabalho;, diz Cruz.

No papel de intérprete, ele é capaz de oferecer uma articulação do trabalho do artista com um contexto no qual é realizado. A carga subjetiva e autoral, para Cruz, transforma o curador em uma espécie de parceiro ao conceber uma exposição. ;Muita gente tem essa ideia de que o curador é o cara que vai dizer o que é o trabalho. Não é assim. Curadoria é colocar um pouco de si mesmo para construir uma ideia;, acredita.

Ter uma visão global ; não apenas sobre as artes visuais, mas sobre o mundo, de forma geral ; é importante na visão de Eduardo Belga. ;O curador vai trazer um assunto para o ambiente mais macro. Ele não pode ser partidário de um tipo de coisa, ele vai alinhar artistas no pensamento dele;, encara. Nesse ;alinhar;, o cuidado de não alterar o discurso do artista talvez seja a parte mais delicada. ;Dependendo de como um curador dispõe as obras, ele pode alterar a voz do artista. Ele
pode até usar a voz do artista, mas alterar o que ele diz, nunca;, defende Belga.

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Yana Tamayo transita nas duas esferas. Formada em artes plásticas e indicada ao Prêmio Pipa em 2014, ela tem uma boa experiência em curadoria. Entre 2002 e 2004, foi assistente dos curadores Adriano Pedrosa e Rodrigo Moura no Museu de Arte da Pampulha, em Belo Horizonte. Depois, além de atuar como artista, se dedicou a curadorias regularmente. Por conhecer os dois lados, ela entende a curadoria, sobretudo, como um diálogo. ;É um trabalho delicado;, admite. ;Eu, como artista, percebo necessidade de que seja uma conversa com o mais delicado do processo do artista.; Nesse sentido, um curador é capaz de enriquecer muito uma obra. Mas Yana também admite que esse pode ser um terreno minado.

A curadoria é uma novidade do século 20 e surgiu por volta de 1950. Na época, a figura responsável por ditar o que era ou não arte, ou qual artista merecia atenção era o crítico de arte. Desde então, curador e crítico começaram a se confundir e o chefe de orquestra das exposições passou a acumular um poder considerável. De certa forma, selecionar quem entra ou não em uma exposição é também uma forma de dizer quem deve ser visto ou não. ;Durante um tempo, o curador também esteve muito ligado às instituições. Mas de repente surgiu o curador independente, que se propõe a ser um interlocutor entre as instituições e trazer de volta o artista protagonista;, diz Yana. Para ela, o curador carrega ainda a responsabilidade de formar público e trazer os visitantes para o universo da arte.

A fusão entre as figuras do curador e do crítico, na concepção de Marília Panitz, é até uma coisa boa, porque o primeiro precisa estar imerso em teoria e história da arte para atuar com propriedade. Já o poder, ela acredita ser uma fantasia. ;São tantos vetores no universo de profissionalização da arte que o curador é apenas um deles;, garante.

Delicadeza

O artista Virgílio Neto lembra ainda da autonomia. ;É muito ruim quando uma exposição apenas ilustra a ideia do curador;, admite. ;Por isso tem que ser um diálogo horizontal, principalmente se o artista está vivo. E sempre abrir, e não fechar uma leitura.; O curador também precisa ter cuidado ao trabalhar com artistas muito jovens. ;Às vezes, ele fala uma coisa e o artista fica preso àquilo. Tudo tem que ser dito com muita delicadeza;, aponta Neto.

Formado em artes pela Escola de Belas Artes de Montevidéu, o uruguaio Manuel Neves trabalhou durante muito tempo como crítico de arte antes de fazer as primeiras curadorias. Hoje curador independente, com atuações recentes no Elefante Centro Cultural e na Referência Galeria de Arte, ele aponta duas noções fundamentais no trabalho: ética e foco no processo. ;Na arte contemporânea, um dos trabalhos do curador é mais entender e acompanhar o projeto do artista, dar ao artista uma visão diferente. Um olhar de fora pode ajudar a ver algo diferente;, acredita.

Para Virgílio Neto, o curador deve ser muito delicado nas escolhas

Uma obra, ele lembra, é um signo colocado em um espaço e capaz de emitir vários significados. ;A ideia, para mim, é ajudar o artista para que sua obra fale da melhor forma possível.; Assumido esse compromisso, fica mais fácil o público ouvir o que o artista tem a dizer. Walter Hopps, nome que ajudou a fixar a curadoria no mapa das profissões em artes visuais, gostava de colocar o curador no mesmo patamar de um regente: ele seria o responsável por orquestrar, neste caso, os signos e vozes dos artistas.

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