Diversão e Arte

Confira entrevista com o artista plástico Lourival Cuquinha

Dono de um questionamento político explícito, o artista costuma dizer que trabalha no limite da legalidade e gosta de provocar

Nahima Maciel
postado em 17/04/2016 07:08

Dono de um questionamento político explícito, o artista costuma dizer que trabalha no limite da legalidade e gosta de provocar

Limite e provocação são duas noções que o pernambucano Lourival Cuquinha cultiva com esmero. Dono de um questionamento político explícito, o artista costuma dizer que trabalha no limite da legalidade e gosta de provocar. Na semana passada, ele vendeu seu Parangolé revival na SP Arte. A performance que veste um ator com farda da Polícia Militar e o coloca de guarda na galeria foi comprada por Cleusa Garfinkel por R$ 25 mil e doada ao Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP). A obra é uma forma de Cuquinha refletir sobre os rumos do Brasil atual, a presença da polícia nas ruas, as fronteiras entre o público e o privado, a liberdade individual e até o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Esse tipo de arte é urgente para o pernambucano, que já costurou uma bandeira da Inglaterra com notas de dinheiro num total de mil libras e hasteou uma bandeira de dólares em Havana. A primeira foi vendida por 17 mil libras e a segunda, por R$ 80 mil. Cuquinha gosta de criar obras que reflitam sobre os valores da arte e o mercado. Durante a feira, enquanto se divertia com a reação das pessoas ao seu Parangolé revival, ele conversou com o Diversão sobre o papel da arte na cena política e sobre o mercado de arte.

Essa não é sua primeira performance com a figura do policial. Por que esse tema?
Algumas vezes fiz uma performance que se chama Filtro em espaços culturais. No Rio, na Oi Futuro, no dia da abertura da exposição havia vários policiais em forma de triângulo e eles ficavam do lado, você ia passando, mas tinha que tocar neles e ficar olhando nos olhos. Não tinha indicação de que é nada performático. Em espaços culturais, vai todo tipo de gente, mas geralmente, em galerias, vão pessoas que têm poder aquisitivo alto, grã-finos que nunca têm contato com a polícia, que nunca levaram um baculejo. Eles ficam com medo e alguns comentários são bem interessantes. Chegava aquela colecionadora e falava ;olhe como tá chique, é a PM quem tá fazendo a segurança;. Quando não é chique, seria um crime, na verdade, a coisa pública e privada misturadas. Mas a gente tem isso incrustado socialmente: quando a coisa pública é usada para uma coisa privada é chique, né?

Essa performancedo parangolé veio disso?
Sim, comecei a pensar nesse embate da coisa pública e privada. E pensei nessa performance com a farda da polícia chamada de parangolé. O parangolé você veste e faz o que quiser e a farda da polícia também, mas com sentidos completamente opostos, um de liberdade, outro de autoritarismo. Quando veio a feira, pensei nesse momento do Brasil e falei: é isso, vou falar de um estado pré-policial que pode acontecer. Acho o governo Dilma horrível, mas não sou manipulado. Estou vendo o que está acontecendo. Daqui a pouco a gente vai ser governado por Eduardo Cunha? Então pensei nisso. Mas achando que não ia vender.

E que tipo de reação teve, nesse que é também um lugar de grã-fino,já que é uma feira de arte?
Então... Acho que a maioria das pessoas pensa que não é nenhum trabalho e passa direto. Já tive amigos que vieram, eu apontei meu trabalho (ao lado de um quadro) e disseram ;e tu tá pintando?;. E alguém me perguntou: ;É tão valioso aquele quadro que tem que ter um policial guardando?;. É isso, tem esse embate estético também. E esse momento de embate político que estamos vivendo, de tensão, também está ali.

Qual o papel da arte nesse momento? Ela tem que comentar isso?
A arte não tem que nada. A priori, ela não tem que nada. Depende da poética de cada artista, de como você se sente tocado por isso. Tenho amigos com produções artísticas poderosas, lindas, que nem tocam nisso. Eles até acham que toca, às vezes, mas eu acho que não. E vamos nessa, tem que ser feito. E tem umas pessoas que me dão prazer. Claro, tem o que me interessa mais. Tem aquele tipo de trabalho que você gosta e tem o tipo de trabalho que você gosta e sente ;pô, devia ter feito antes;. Porque as coisas estão pairando, a gente se conecta, acho que a gente é mais uma antena de conexão numas nuvens que estão por aí. Às vezes, as nuvens estão bem óbvias. Às vezes, estão mais baixas. Às vezes, mais altas. É material. Não acho que arte tenha que ser engajada.

Mas, no seu caso, é engajada. Por quê?
No meu caso, sempre foi. Até os trabalhos mais poéticos que já fiz acabam tendo um engajamento social. E, apesar de poder suscitar várias questões, acho que ele é bem direto.

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