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Artigo: com morte de Prince, vai faltar topete

Paulo Pestana
postado em 22/04/2016 11:50

O ano não vai bem para os camaleões. O múltiplo Bowie se despediu deixando um disco e cantando com o desespero do assum preto cego; o mutante Prince sai de cena em pleno habitat natural, o estúdio, único lugar do mundo onde ele se encaixava, exatamente no momento em que ; outro passarinho ; aparecia na muda (deixava a eletricidade e a marcação do bumbo para mergulhar na melódica e exclusiva percussão do piano).

Prince não fez pouco. Em pleno reinado do pop, quando Sua Majestade Michael Jackson dirigiu seu rebanho à prometida terra do hit instantâneo e fez chover maná por todo lado, um sujeito de pequeno porte e ideias extravagantes desafinou o contente coro e mostrou ao mundo que era possível dançar com mais de uma levada. Prince, que chegou a renegar a nobreza do nome e substituí-lo por um símbolo, nos maquiados anos 80, resgatou o grito primal do oprimido e o balanço libertador do funk, na contramão de quem achava que a solução é misturar tudo para achar o amalgama.

[SAIBAMAIS]Com Prince, o funk de George Clinton, The Meters, Curtis Mayfield e War finalmente saía do gueto exploitation dos anos 1970 para chegar às paradas de sucesso de todas as cores, principalmente por meio do álbum 1999 (lançado em 1983), a definitiva obra-prima de um gênio. O grande problema de Prince, no entanto, foi a contradição pessoal: se um gênio normalmente é compreendido por poucas pessoas, o próprio Prince não parecia se compreender muito bem. E meteu os pés pelas mãos.

Entre tentativas de buscar uma esquizofrenia oficial, mudando de identidade, e alimentar brigas com as corporações da música, Prince nunca parou de produzir. Ao contrário da maioria dos grandes artistas, que experimentam e buscam novos sons como ele sempre fez, Prince fez da carreira uma obra em progresso. Nunca se preocupou com a maturação de sua música, que muitas vezes foi apresentada em forma de rascunho, ainda que com qualidade indiscutível.



Os últimos suspiros do criador são contraditórios. HitnRun Phase I e II, ao contrário do que a sequência numérica pode sugerir, são inteiramente diferentes entre si . Enquanto o primeiro volume flerta do com a música eletrônica e com o pop facinho das paradas de sucesso, a segunda ;fase; ; seu 39; álbum original numa carreira de 38 anos de gravações ; busca alternativa com um renovado namoro com o funk original ; certamente influenciado pelo êxito de Uptown Funk (de Bruno Mars e Mark Ronson).

O primeiro HitnRun ; assim mesmo, sem apóstrofos ; conta com participações especiais que deixam claro o desejo de voltar ao sucesso, como a britânica Rita Ora em Ain;t About to Stop e do duo Curly Fryz ; uma das irmãs, Danielle Curiel, já tinha atuado e dirigido o clip da música Breakfest Can Wait, em 2014.

Lançada bem no início deste ano, a segunda etapa impressiona pela vitalidade e, mais ainda, pelo anúncio do que poderia vir mais adiante, mas que a morte interrompeu. O legado de Prince é imenso, mas ele é um desses artistas que não deixa seguidor. O funk vai continuar ; aliás, não confundam com esse arremedo produzido nos morros cariocas ;, mas não há ninguém com o topete de Prince. Estamos órfãos.

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