Ricardo Daehn
postado em 28/04/2016 07:00
Questionamentos internos talvez sejam os maiores ganhos, ao se assistir ao conteúdo provocativo de filmes em cartaz na cidade, e que versam sobre a lucidez e o desequilíbrio mental. Figura de ponta nesse debate, a doutora Nise da Silveira inspirou, ao menos duas das produções mais recentes, Olhar de Nise (confira, abaixo, entrevista com o diretor) e Nise ; O coração da loucura, com Glória Pires, em exibição. Engrossando a lista de atrações, está o longa documental A loucura entre nós, atração especial (no domingo), às 19h30, na programação da 15; Mostra do Filme Livre.
;O filme mostra, precisamente, o momento em que se tentava introduzir um novo paradigma em tratamento psiquiátrico do Hospital Juliano Moreira (Bahia). Temos inicialmente o hospital psiquiátrico público que alimenta um sistema que isola o paciente da sociedade, tornando-o aos poucos um excluído permanente, e vemos as tentativas de imprimir um novo modo de tratamento, que visa a reinserção social;, comenta o psicanalista Marcelo Veras, membro da Escola Brasileira de Psicanálise, convidado a integrar debate, no CCBB, durante a Mostra do Filme Livre.
Exaltando o processo de autodescoberta, durante as filmagens do documentário, a diretora Fernanda Fontes Vareille acumulou ganhos, por quatro anos, no processo do filme. ;Você é obrigada a se colocar em questão a todo o tempo. Sempre me perguntava: ;Por que tal pessoa me interessa? O que ela tem que me faz despertar curiosidade por ela?; Era uma enxurrada de questões que vinham à tona e que me faziam rever os meus próprios fantasmas e conceitos; Existia, para mim, um prazer em confrontar esses dados e, assim, descobrir mais sobre mim mesma. Mesmo sendo uma trajetória dolorida;, comenta a cineasta.
A diretora ressalva que não é especialista em todas as questões que envolvem a Política da Saúde Mental no Brasil, mas nutre uma identificação direta com o Movimento Nacional de Luta Antimanicomial, que, recentemente completou 15 anos. ;Até bem pouco tempo atrás ; e estamos falando da última década ; eram revelados no Brasil manicômios com tratamentos desumanos, violência e superlotação, que serviam para fazer uma ;limpeza social; daquelas pessoas que não se encaixavam. Durante as filmagens na Bahia convivi com funcionários profundamente comprometidos com o bem-estar de pacientes, numa instituição que ainda lida com todas as contradições, chaves e cadeados, que funcionam como o limite entre ;o dentro e o fora;, o ;louco e o normal;. Mas o que encontrei foi uma realidade sem qualquer abuso ou desumanidade;, conta. Como modelo social, benéfico a cidadãos, a cineasta cita o aprendizado da convivência com as diferenças como dos melhores instrumentos.