Perto de completar 70 anos, Alceu Valença tem memória de menino. Lembra-se, com detalhes, das histórias da infância, da adolescência, do início da carreira. Foi dessas lembranças e da bagagem cultural do cantor que surgiu o filme A luneta do tempo, escrito e dirigido pelo compositor e em cartaz no Cine Brasília. Misturando música, poesia e circo, o longa mostra o duelo entre gerações do cangaço e tem Lampião (Irandhir Santos) como um dos personagens.
Em uma longa e animada conversa, o artista falou sobre os filmes que assistiu ainda menino, sobre os circos que passaram por São Bento do Una (cidade natal de Alceu) e o gosto pelo cinema francês na juventude; memórias que o marcaram e foram a base para construir A luneta do tempo, que, 14 anos depois da ideia inicial, chega aos cinemas.
Os filmes na infância
Não tenho projetos e planejamentos. Tudo que eu faço está ligado a alguma coisa. Esse filme vem da minha infância em São Bento do Una, entre o agreste e o sertão de Pernambuco. Lá havia dois cinemas e eu ia às vezes com a minha mãe. Fiquei em São Bento até os 7 anos. Foi num desses cinemas que cantei a primeira vez em festival. Tinha 4 anos, perdi um grande prêmio: uma caixa de sabonetes. Havia também uma feira. Essa feira tinha emboladores, violeiros, cegos com rabecas, cordelistas e no alto-falante do cinema tocavam as músicas de Luiz Gonzaga. Todo esse universo veio para o filme.
Caixa de sapato
Minha mãe botava um lençol na parede e fazia uma maneira de projetar sombras, de contar histórias para os quatro filhos. Lá no cinema, quando o filme quebrava, o funcionário tinha que emendar e sobravam algumas partes. Aí, ele me dava os restos. Eu levava para casa e a gente fazia, eu e meu irmão, um cinema em uma caixa de sapato, com 7 anos. O cinema já estava em mim desde essa época, mais tarde fiquei distante, por falta de tempo, pela carreira.
Memórias do cangaço
Meu pai tinha uma fazenda, que se chamava Riachão, ele nos contava que muitas vezes chegavam boatos de que os cangaceiros iriam invadi-la. As pessoas da região se armavam e começavam a atirar. Pode ser que a história seja uma bravata. Mas havia uma serra e eu ficava pensando que os cangaceiros tinham morrido e que estavam em cima da serra, a Pedra do Urubu, e que as almas deles estavam lá. Vi filmes como O cangaceiro, de Lima Barreto, depois. Era um filme que tinha cavalo, mas cangaceiro não tinha cavalo, não. Andavam a pé, botavam a sandália de costas, para impedir rastros, aqueles filmes não me convenciam. Esse filme O cangaceiro não era uma coisa que me convencia.
A matéria completa está disponível , para assinantes. Para assinar, .