Diversão e Arte

Gershon Knispel fala sobre trauma do Holocausto e a amizade com Niemeyer

Autor de extensa e premiada obra, reverenciado por onde anda ou expõe, o artista plástico acaba de ser homenageado em livro

José Carlos Vieira
postado em 15/05/2016 07:33
Autor de extensa e premiada obra, reverenciado por onde anda ou expõe, o artista plástico acaba de ser homenageado em livro
O israelense-brasileiro Gershon Knispel é um humanista dos mais raros. Autor de extensa e premiada obra, reverenciado por onde anda ou expõe, o artista plástico acaba de ser homenageado com o livro
Knispel ; A retrospectiva: 60 anos de criação de Gershon Knispel, lançado na capital paulista. A publicação conta com imagens e belos textos sobre a trajetória desse artista preocupado com a situação do homem. Nesta conversa com o Correio, Knispel fala sobre o trauma do Holocausto, a amizade com Niemeyer e também questiona os rumos das artes plásticas no mundo. ;A arte virou uma bolsa de valores internacional e o que manda é a lei da oferta e da procura.;

Entrevista / Gershon Knispel

Nesses 60 anos de arte vividos pelo senhor, o ser humano evoluiu ou continua bélico, opressor, egoísta?
A situação está piorando. Ultimamente estamos vendo a pior propagação dos neonazistas e racistas no mundo inteiro até chegar às principais lideranças das nações da Europa; Áustria; a turma de Le Pen, na França; ameaçando até Ângela Merkel, da Alemanha. Até os dois continentes da América não se liberaram desta ameaça, a parola ;Nunca mais; parece que foi esquecida, por isso estou dedicando meus painéis de duas e três dimensões nesta trajetória.

O senhor poderia fazer um balanço de sua trajetória no Brasil e em Israel?
Quase nasci um militante do protesto contra este mundo injusto em Israel, pois lutei em favor de dois estados para dois povos que para mim é a única solução, devolvendo os territórios palestinos ocupados em paz permanente. No Brasil eu vivi em dois períodos, de 1958 até 30 de março de 1964, e acho que a data já explica. Participei nos esforços dos movimentos que lutaram pelas reformas básicas, fui um dos fundadores do CPC (Centro Popular de Cultura) com Gianfracesco Guarnieri, Caio Prado, Mario Schenberg, João Batista Vila Nova Artigas e o meu querido companheiro Oscar Niemeyer.

Determinados quadros seus remetem à sensação que o visitante tem ao visitar o Museu do Holocausto, em Jerusalém. Essa melancolia misturada com a força de viver permanece até hoje?
Quando eu voltei para Israel, em 1964, fui acompanhando Oscar Niemeyer, que executou nessa época os cinco projetos mais importante em Israel, com a Universidade Haifa, a cidade do deserto e o grande Dizengoff Center, em Telaviv, além da Praça dos Reis. Neste período também foi editado um álbum meu, que recebeu o prêmio da 7; Bienal de São Paulo. Conhecemos Nina, a esposa de Auschwitz KA.Zetnik, o mais importante escritor do Holocausto que usava esse pseudônimo ; e que significa ;membros do campo de concentração;. Ele ignorou completamente o nome de origem da sua família dizendo ;Eu morri com minha família;, o que sobrou foi um anônimo testemunho do Holocausto, que ele chamava ;Outro Planeta;. Nina marcou um encontro comigo e com KA.Zetnik, onde ele desejava que eu acompanhasse com minhas gravuras o novo livro dele, chamado A estrela de cinzas; levei o manuscrito para casa e no dia seguinte respondi: ;Lamento, mas não vou conseguir acompanhar com as minhas gravuras esses horrores de Auschwitz, que eu não acho nem palavras e nem formas de expressar esta via dolorosa;.

E depois desse encontro?
Na véspera do dia sagrado judeu, que é o Yom Kippur, de 1966, me preparando para acompanhar meu pai para a Sinagoga, bateu alguém histericamente na porta do meu apartamento de solteiro. Abri a porta e um sujeito parecido com pessoas que moram debaixo das pontes, em Paris, com a barba malfeita, de olhos vermelhos, em estado de histeria, me perguntou ;Está sozinho?;, só a voz dele me lembrou KA.Zetnik. Sem esperar pela minha resposta, ele entrou violentamente, puxando a porta, fechando com a chave e pondo a chave no bolso dele, falando: ;Nós não vamos sair daqui até você passar Auschwitz comigo de novo. Este argumento não vai valer mais;. Esse encontro de 24 horas de um monólogo terrível e inacreditável ocorreu sem me dar a possibilidade de me movimentar, de sequer tomar um copo de água, ou seja, um jejum forçado, mas nem senti falta de nada, quase desmaiei com os horrores que ele expressou, que saíram como lava de um vulcão, me deixou nocauteado. Prometi tentar expressar esse Auschwitz que eu consegui viver com ele nas gravuras. Achei que com estas 18 gravuras cumpri minha promessa-tarefa. Errei, já faz 50 anos que estou sendo perseguido deste encontro com o inferno, sempre achando que não consegui ainda expressar isso e continuo tentando.

Como foi a relação com Oscar Niemeyer? Um judeu e um ateu unidos por meio da arte?
Éramos dois comunistas, e quando, em 1958, ganhei o concurso no Monumental Mosaico, na TV Tupi, Assis Chateaubriand, dono da emissora, me convidou para ir ao escritório dele no Museu de Belas Artes, na Rua 7 de Abril. Nesta reunião estava sentada uma pessoa um pouco baixa de pele escura, de olhos profundos e bigode de um amante latino, e Chateaubriand me perguntou: ;Por que índios no teu desenho?; Respondi: ;Os índios são a minoria mais humilhada de um Brasil, apesar de eles serem donos desta terra, os quero com altura de 7,5 metros e no lugar mais alto de São Paulo ; que era no Bairro de Sumaré. Dito e feito. A pessoa que estava meio escondido se levantou, me abraçou e falou com Chateaubriand: ;Precisamos de um talentoso jovem israelense;. Pegou o cartão de visita dele, me entregou e falou: ;Quando chegar ao Rio de Janeiro, não se esquece de ir me visitar no escritório, obrigado;. Era Oscar Nimeyer! Adorei. Meu sonho era encontrar esse poeta de concreto que achou a grande invenção de tirar do concreto a lei da gravidade; desde aquela vez não paramos de ficar juntos, no tempo que estávamos exilados do Brasil até minha volta em 1995.

O seu trabalho tem forte engajamento político. O que seria necessário para uma convivência de paz entre judeus e palestinos? É possível?
Já comentei que a única solução de fazer paz com os vizinhos palestinos é do mesmo jeito que foi feita a paz com os egípcios, em 1977, devolvendo o deserto de Sinai ao território egípcio ocupado em 1966. Devolvendo os territórios palestinos, conforme decisão da ONU em novembro de 1947, criando dois estados legítimos vivendo em paz.
A matéria completa está disponível aqui para assinantes. Para assinar, clique aqui.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação