Diversão e Arte

Cineasta Kleber Mendonça Filho fala da experiência em Cannes e de política

Diretor sai do festival fortalecido pela acolhida de Aquarius, estrelado por Sonia Braga, e mantém firme sua posição política

postado em 24/05/2016 07:00

O cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho não levou a esperada Palma de Ouro do Festival de Cannes, mas voltou da França aclamado pela crítica especializada internacional após a exibição do seu segundo longa da carreira, Aquarius. Em entrevista exclusiva ao Correio, o diretor, que liderou protesto contra o ;golpe na democracia brasileira;, fala do conturbado momento político do país. ;Aproveitamos, portanto, a oportunidade de estarmos em Cannes, com um filme brasileiro em competição, para lembrar que o que ocorre hoje no Brasil é irregular, antidemocrático e abre brechas para que o sistema político, já doente, piore;, afirmou.

Na entrevista, Kleber Mendonça Filho ressalta sua preocupação diante do afastamento da presidente Dilma Roussefff e diz o que o preocupa no Brasil de hoje. ;Retrocesso, no sentido de pensar democraticamente a sociedade, o país; o egoísmo institucionalizado; a política como guerra de poder, enquanto problemas diários da nação ficam em quarto plano;, afirmou.

Sucesso de crítica: Kleber ao lado de Sônia Brada (E) e a produtora Emilie Lesclaux em Cannes


Você e sua equipe foram responsáveis talvez pelo mais eficiente e contundente protesto contra tudo o que vem acontecendo no Brasil. Você acredita que a capacidade de mobilização da classe artística brasileira pode desgastar Michel Temer até que ponto?
Fizemos um gesto, em folhas de papel A4. Foi uma tomada de posição, um pequeno e simbólico ato que expressa o que acreditamos. Nossa democracia é jovem, em formação, ou em reformação, após um período não democrático, nas décadas de 1960, 1970 e 1980. Nossa democracia também tem problemas, o massacre muito natural e prosaico da população negra e pobre, por exemplo, é um indicador que desmoraliza o país sempre. No entanto, temos uma democracia, e quebrá-la com um impeachment todo forjado a partir de justiças seletivas é preocupante para mim e para muitos brasileiros. Aproveitamos, portanto, a oportunidade de estarmos em Cannes, com um filme brasileiro em competição, para lembrar que o que ocorre hoje no Brasil é irregular, antidemocrático e abre brechas para que o sistema político, já doente, piore. Teremos, ou teríamos eleições diretas em 2018, isso teria sido democrático; e, se fosse o caso, banir a esquerda por anos, para longe do poder, mas nas urnas. Sobre Temer, eu realmente não tive a intenção de desgastá-lo, pois sua posição atual já é bem desgastante. Ele já se colocou numa posição difícil ao assumir um país travado pela oposição, e com sua imagem já muito desgastada internacionalmente (aqui no exterior o golpe é visto com enorme constrangimento), numa crise política em parte gerada por erros de Dilma Rouseff e, principalmente, por uma quantidade impressionante de armadilhas criadas pela oposição que sufocaram seu governo, a sociedade e o povo brasileiro.

Após o protesto em Cannes, alguns setores da imprensa começaram a questionar o fato de você ser funcionário público, ligado ao Ministério da Cultura. O seu salário, inclusive, chegou a ser publicado aqui no Brasil. Há algum conflito de interesses? Como você analisa esse tipo de reação?
Eu trabalho há 18 anos na Fundação Joaquim Nabuco; entrei em 1998, era FHC, em quem não votei. É um trabalho de enorme visibilidade, pois o cinema é um lugar frequentado por centenas de pessoas por semana, e 60 mil espectadores por ano numa sala de 200 lugares. Eu amo tanto esse trabalho que o salário divulgado (ele sempre esteve disponível na internet) só pode ser a maior prova disso. Felizmente, meus filmes são muito bem-sucedidos em todos os níveis, no Brasil e no exterior, sou palestrante, faço projetos, e programar filmes, formar público, promover debates, estimular jovens realizadores, montar mostras e trazer para o Recife o tipo de cinema que salas comerciais não exibem me mantém sempre feliz e com um senso de dever cumprido.

O que mais o preocupa no Brasil de hoje?
Retrocesso, no sentido de pensar democraticamente a sociedade, o país; o egoísmo institucionalizado; a política como guerra de poder enquanto problemas diários da nação ficam em quarto plano. No último ano, a quantidade de energia política jogada no lixo em Brasília atingiu níveis inaceitáveis; o governo Dilma asfixiado calculadamente, a crise piorada artificialmente, a mídia aumentando a intriga, a mentira e comportando-se de forma irresponsável com a sociedade. E, hoje, há uma divisão muito feia, baseada em mentiras e turbulências calculadas.

A matéria completa está disponível para assinantes. Para assinar, clique .

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação