Simone vem a Brasília praticamente desde o início da carreira. Na primeira vez em que esteve aqui, no segundo semestre de 1978, dividiu o palco da Piscina Coberta ; hoje Ginásio Cláudio Coutinho ; com a compositora e pianista Suely Costa, em show pelo Projeto Pixinguinha. No ano seguinte, em turnê pelo país, ela retornou à capital para lançar o álbum Cigarra e se apresentou no mesmo local. Desde então, se tornou assídua na cidade em várias oportunidades, ocupando espaços diversos ; da Sala Villa-Lobos ao Auditório Master do Centro de Convenções Ulysses Guimarães. No ano passado, lotou o Teatro Unip, sendo assistida por fãs conquistados ao longo de quatro décadas de vitoriosa trajetória.
Hoje, às 21h, Simone vai reencontrar seus admiradores ao se apresentar no Centro de Convenções. O espetáculo, intitulado É melhor ser, tem uma característica inusitada. Os ingressos vendidos ao preço de R$ 1; contrapartida para o patrocínio recebido ; foram adquiridos em tempo recorde. A turnê nacional do É melhor ser, que na primeira etapa, em 2015, passou por Belo Horizonte, Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, João Pessoa, Fortaleza, Natal e Recife, está sendo retomada agora em Brasília. Daqui segue para outras cidades do Centro-Oeste, do Nordeste, do interior de São Paulo e do Sul do país.
No show, Simone passeia por um repertório em priorizou músicas de compositoras, de segmentos diversos, entre elas Dolores Duran, dona Ivone Lara, Rita Lee e Zé lia Duncan. ;Sou só um vivente/ Com sentidos, bocas, olhos e ouvidos/ Bem vividos/ Já não me iludo mais;. Os versos de Mulher o suficiente, canção de Alzira Espíndola e Vera Lúcia Motta, segundo a estrela da MPB sintetiza sua atual fase. O espetáculo tem direção-geral da atriz Christiane Torloni e direção musical de Bia Paes Leme. Hélio Eichbauer assina a cenografia, que tem como destaque um móbile no formato de coração. Rogério Wiltgen é o responsável pelo desenho de luz. Simone tem na sua companhia em cena da banda formada por Leandro Braga (piano e arranjos), João Gaspar (guitarra e violão), Rômulo Gomes (baixo), Christiano Galvão (bateria) e José Leal (percussão).
Em tempo de muito funk, de excesso de música sertaneja, a MPB e o samba, matérias-primas do seu canto, estão sendo preteridos?
O Brasil é imenso, é interiorano, é litorâneo, é urbano, é rural. E tem uma disparidade social infernal. Você citou estilos musicais muito diversos, que representam bem isso. Não se pode negar que são expressões muito fortes desses vários Brasis dentro do país. Dizem muito sobre o brasileiro. Mas, infelizmente, observo muita gente nova fazendo uma música muito interessante, fora desses padrões, e que não tem a mesma repercussão, não chega até as pessoas. Seria lindo se o espaço se ampliasse.
Na turnê do É melhor ser, como tem sido a acolhida do público para a música que você interpreta?
A melhor possível/ recepção muito calorosa, muitas vezes até catártica.
Você consegue ver renovação nas plateias que têm ido assisti-la?
Em todos os lugares pelos quais a turnê tem passado, os ingressos têm acabado em minutos. É muito bom ter na minha plateia pessoas que não só não haviam assistido a nenhum espetáculo meu, mas também nunca haviam entrado num teatro na vida. E estão lá com um interesse genuíno, entregues ao que está acontecendo no palco. É lindo!
Por que você optou por um repertório que privilegia músicas de compositoras?
Acho que nos últimos 40 anos, a partir dos anos 1970, mais ou menos meu tempo de carreira, houve um florescimento muito grande de compositoras. Até então, isso não era muito comum, a composição no Brasil era quase exclusiva dos homens. As mulheres, tradicionalmente, eram as intérpretes. Enfim, houve uma vontade de homenagear essas mulheres de vanguarda, guerreiras, amantes e, acima de tudo, grandes artistas. E com isso, ao mesmo tempo, lançar um olhar sobre o meu ofício, minha trajetória nestas quatro décadas. Mas nesta segunda etapa da turnê, a R$ 1, os rapazes também estão presentes. Bituca, Chico, Martinho, Ivan... O fio condutor foi o verso do Vinicius em Samba da bênção, ;é melhor ser alegre que ser triste;;. Todas as canções têm isso em comum: seja, ame, viva!
Qual é a contribuição de Christiane Torloni, como diretora, para o formato do espetáculo?
Sempre me preocupei muito com isso. É importantíssimo, pra mim, ser conduzida, ter a visão teatral do diretor, de fora, que sempre aponta para uma argumentação muito saudável. Prova disso é que já fui dirigida por Flávio Rangel, Zé Possi Neto, Ney Matogrosso, entre tantos outros. Para este show, eu queria ter o olhar feminino, mais uma vez uma pessoa de teatro, que olhasse para mim e me visse. E foi exatamente o que a Torloni fez. Ela é da arena, uma grande atriz, e tem esse universo que eu queria mostrar. Ela me olhava e me via. E a cenografia do Helio Eichbauer, orgânica e também muito feminina, reitera isso.
E o que a musicista Bia Paes Leme trouxe para o É melhor ser?
O bom gosto, o talento inato e um ouvido preciso.
Fazer show quase gratuito, com ingresso a R$ 1, fazia parte dos seus planos há quanto tempo?
O preço por vezes acaba afastando o público que tem muita vontade de ir ao show, mas nem sempre consegue. A oportunidade de apresentar o meu espetáculo completo, tal como ele foi concebido, cobrando um valor simbólico e rodar por todo o país é muito emocionante. São meses na estrada, próxima ao coração do povo brasileiro. Era um sonho bem antigo. Sempre me apresentei para grandes plateias, fiz muitos shows ao ar livre, masn uma turnê com concepção, luz e cenografia de teatro, praticamente gratuita, será a primeira vez. Recebo patrocínio para shows há muito pouco tempo, desde 2009. Este é a minha segunda turnê patrocinada e, quando saiu, no início do ano passado, sentenciei: vai ser agora. Foi uma decisão minha, uma forma de retribuir tanto carinho e fidelidade do público durante todos esses anos. E, num país como o nosso, com tantos problemas sociais, é lindo ir até as pessoas. E, por mim, só seria assim daqui pra frente.
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