A capacidade do indivíduo de prosperar através dos próprios esforços em um ambiente de liberdade e justiça está na raiz da expressão (e propaganda ideológica) mais famosa dos Estados Unidos: o sonho americano. O conceito de uma terra de oportunidades, acessível a todos e única no mundo perpassa o discurso do político ao do cidadão, replicado em filmes, séries e produções culturais cuja proposta é refletir a realidade local.
Mas análises críticas às condições sociais do país, sobretudo em cenários de crises cíclicas do capitalismo e de conflitos em torno de direitos básicos, expõem fissuras da concepção e indicam como ela hoje mascara uma sociedade desigual constituída para beneficiar empresas e ricos em detrimento de trabalhadores e pobres.
O documentário Requiem para o sonho americano (2015), recém-disponibilizado na Netflix, toca a ferida a partir das observações cortantes de Noam Chomsky, filósofo, linguista e um dos pensadores mais relevantes da atualidade. Crítico do modelo capitalista, ele passa a limpo fatos marcantes da história estadunidense - principalmente as décadas recentes, nas quais a essência do sonho americano teria sucumbido à força do capital financeiro. O filme é todo montado a partir de entrevista com Chomsky, com recorrência a imagens de época e atuais, e divide a abordagem em torno de dez princípios da concentração de riqueza e poder.
O ponto central do raciocínio do filósofo foca os EUA, mas é aplicável a outros países ocidentais: a democracia é constantemente sabotada pelos detentores da riqueza, e o aparato de estado atua para favorecer quem tem dinheiro. O principal objetivo seria tirar do povo o direito de decidir o destino da nação, e as armas utilizadas passariam pela atuação da justiça, parlamentar e ingerência na formulação de políticas públicas. Chomsky, para quem o Brasil de hoje vive um golpe branco de estado, cita a ditadura militar instalada no país em 1964 como exemplo de agente a serviço da alienação.
Dirigido pelos documentaristas Peter D. Hutchison, Kelly Nyks e Jared P. Scott, o filme é precioso porque, além de ter caráter didático, trata de temas contemporâneos, em especial para a América Latina, onde a democracia vive em meio a turbulências provocadas por fatores internos e externos.
[VIDEO1]