Os cabelos ;prateados;, termo imortalizado por Luiz Gonzaga na música Hora do adeus, emolduram o rosto da simpática Ana Rita Suassuna, que carrega o sobrenome de um dos mais importantes escritores brasileiros do século 20. Assim como o primo Ariano Suassuna, Ana Rita recebeu destaque nacional pela literatura, com a obra Gastronomia sertaneja ; Receitas que contam histórias, uma referência para estudiosos do assunto.
Qual é a importância de manter vivo o costume alimentar que marcou a história do povo nordestino?
A cozinha do sertão é formada por elementos básicos. Mas há pratos que só agora começaram a ser conhecidos, em um momento em que a gastronomia está buscando e documentando informações em cada canto. Você consegue ver que muitos ingredientes do sertão ainda não chegam ao litoral, e vice-versa. Há uma falha em como é colocada a cozinha regional. Um bom exemplo é a Bahia: as pessoas costumam dizer ;isso aqui é comida baiana;, referindo-se à comida de Salvador. Os pratos de lá são muito específicos e se mantêm como comida de raiz, mas não chegam ao sertão da Bahia. Há pessoas do sertão que não comem acarajé e não sabem nem prepará-lo. É preciso reconhecer essa diferença.
Com a expansão da gastronomia, a senhora acha que a preocupação em especificar a cozinha sertaneja está maior?
Muita gente pensa que a cozinha do sertão era marcada pelo uso da farinha de mandioca, e que era mais utilizada que a farinha de milho, o que não é verdade. Os ingredientes básicos da cozinha do sertão são o feijão, o milho, a rapadura, a nata... Esses são ingredientes de uma riqueza e de uma multiplicidade inacreditável.
Existe algum modo de preparo que a senhora destacaria como uma exclusividade sertaneja?
Alguns pratos, durante muito tempo, eram feitos apenas no sertão. A forma de se preparar a buchada e a cabeça de galo (pirão à base de ovos, farinha de mandioca e temperos) é muito interessante e marca a questão do comportamento da sociedade sertaneja.
O seu livro mostra alguns modos de preparo da cozinha sertaneja que foram deixados de lado. De que forma podemos resgatar essas tradições?
No meu livro há muito conteúdo de recuperação. Ele se tornou muito mais um livro de etnografia do que gastronomia, justamente porque conta a história não só da cabeça de galo, mas de outras receitas que se perpetuam no sertão pelas pessoas mais velhas. Com a chegada da industrialização e da malha rodoviária no semiárido, é possível ter mais acesso a esses ingredientes. No semiárido, o milho verde e as comidas preparadas com o ingrediente eram estritamente sazonais, porque dependiam da chegada da chuva. Hoje em dia temos pamonha, canjica e curau em qualquer dia do ano no sertão. Temos milho irrigado na área do Rio São Francisco e em outros lugares do Brasil. Hoje os produtos alimentícios circulam grandes distâncias, o que faz esse resgate possível.
De que maneira sua infância no sertão fez com que a senhora valorizasse esse tipo de cozinha?
Tive conhecimento adquirido por um processo natural de vivência e vivi todos esses processos de perto. Em 2007, a colcha de retalhos da cozinha regional brasileira estava sendo objeto de estudo de chefs que tinham restaurantes em São Paulo. Entre essas pessoas, estavam professores dos primeiros cursos de gastronomia do Brasil, como Ana Luiza Trajano (do restaurante Brasil a Gosto) e Mara Salles (proprietária do Tordesilhas).
Seu livro é uma das principais referências de estudo sobre a cozinha sertaneja. Como surgiu a ideia de publicá-lo?
O livro não foi iniciativa minha. As pessoas degustaram meus pratos durante um evento gastronômico em São Paulo (entre eles estava Alex Atala). Elas disseram que essas informações não estavam registradas em livro nenhum. Fiz uma entrada com mocotó e mungunzá. O prato principal era maxixada com isca de carne de sol. Eles adoraram.
Como foi sua infância com seu primo, o escritor Ariano Suassuna?
O meu pai (Joaquim Dantas) foi o tio que mais influenciou a produção literária dele. Meu pai realmente foi quem o estimulou e conversava com Ariano desde pequeno. A minha mãe era irmã da mãe de Ariano e foi criada por ela. A relação da mãe de Ariano comigo não era de tia, mas sim de avó. Minha mãe perdeu os pais muito pequena, aos 9 anos, e foi morar com a mãe de Ariano, que era a irmã mais velha e estava casada. Eu nasci na casa dele, em Taperoá (PB), e passamos grande parte de nossas vidas em convivência. Fiquei com eles inclusive depois da mudança da família para o Recife, para completar os estudos.
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