Diversão e Arte

Historiador americano faz perfil de personalidades brasileiras

Thomas Skidmore publicou em seu site perfis de personalidades como o ex-presidente Juscelino Kubistchek e do sociólogo Gilberto Freyre

postado em 18/06/2016 12:58

Thomas Skidmore publicou em seu site perfis de personalidades como o ex-presidente Juscelino Kubistchek e do sociólogo Gilberto Freyre

O norte-americano Thomas Skidmore, morto no dia 11, foi um dos mais importantes brasilianistas. Em uma série de livros, ele traçou as principais linhas do desenvolvimento do país nos planos da política, da economia e da cultura. Sempre deixou claro que a paixão pelo Brasil transcendia o interesse pela pesquisa acadêmica. Durante as viagens que fez ao país de 1962 a 2004, ele entrou em contato com personagens importantes e influentes na vida brasileira. Recentemente, Skidmore escreveu uma série perfis, publicados no site oficial do historiador. Selecionamos dois para o leitor do Pensar. Os personagens são o ex-presidente Juscelino Kubistchek e o sociólogo Gilberto Freyre.

Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902-1976)
Presidente brasileiro ; de descendência Tcheca ; educado como médico. Nascido em Minas Gerais onde desenvolveu carreira política ; como prefeito de Belo Horizonte, governador de Minas Gerais e então presidente do Brasil. Mais tarde, vítima de perseguição pelo regime militar, ele foi forçado a se exilar em Portugal e nos Estados Unidos. Durante o tempo que passou na América Norte, ele viajou pelo país fazendo palestras. Como latino-americanista júnior em Harvard, eu fui convidado a entrevistá-lo para uma emissora de tevê local. Conduzia a conversa em inglês (ele falava um inglês ininteligível, mas sua personalidade vibrante superava tudo). A próxima vez que estive com ele foi no Rio. Ele convalescia de uma operação em seu esplêndido apartamento em Ipanema. Chico Barbosa me levou ao local. Chico havia sido membro do staff presidencial de JK. Mais tarde, ele escreveu a biografia oficial da campanha (JK: uma reunião política brasileira). Chico me chamou para ver JK. Ele sabia que JK teria prazer em me receber porque em meu livro recente (Política no Brasil), eu havia elogiado seu governo (meu capítulo intitulava-se ;Os anos de confiança;). Com gratidão, JK aceitou minha cópia autografada do livro, no qual ele deu uma rápida olhada. Embora ele estivesse de cama, como sempre, foi bastante acolhedor. Chico estava satisfeito: missão cumprida. A última vez que eu vi JK foi em Brasília (ele foi o fundador da cidade). Era um domingo tranquilo e eu estava na cidade visitando amigos na Universidade de Brasília. No meu hotel, recebi um telefonema dizendo que o presidente JK mandaria um carro para me levar para almoçar em sua chácara nos arredores de Brasília. Quando cheguei lá toda a sua família estava reunida ; ele era um homem de família. Nós comemos uma grande feijoada e falamos muito de política. Em certo ponto, JK começou a denunciar os comunistas, de uma maneira que eu nunca havia ouvido dos seus lábios quando ele era presidente. Eu não tive mais notícias dele até a sua morte em um espetaculoso acidente de carro na estrada São Paulo-Rio quando ele voltava de um encontro com sua amante. O carro dele foi atingido de frente por um grande caminhão, colisão que causou a destruição dele, do seu motorista e do seu moderno carro. O povo vivia inquieto com os rumores de que teria sido trabalho de conspiração dos seus muitos inimigos. Eu nunca aceitei essa teoria. Baseado na minha experiência de dirigir no Brasil, eu sabia que nada é impossível quando brasileiros estão ao volante. Afinal, os grandes heróis esportivos do Brasil (depois dos futebolistas) são os pilotos de corrida. JK: um brasileiro cordial, notável presidente, descanse em paz.

Gilberto Freyre (1900-1987)
Um dos primeiros nomes que eu conheci quando me interessei pela história brasileira. Ele era um historiador cujos livros eram lidos por leitores de todo o mundo. Casa grande & senzala era um clássico iminente. Introduzia gerações de brasileiros a seu passado colonial. Subsequentes volumes trouxeram subsequentes décadas. Sua interpretação se mostrou altamente polêmica no Brasil e fora dele. Eu, ao lado de outros leitores, gastamos muitas horas estudando sua obra. Eu tenho para com ele um grande débito.

Ele apenas comentou os meus escritos uma vez, em uma entrevista a jornal, para referir-se a mim ; e a meu trabalho ; como ;sociólogo medíocre;. Desastrada disciplina, mas eu apreciei a publicidade. A primeira vez que eu o encontrei foi tarde em sua carreira e cedo na minha.

Ele estava de passagem pela Inglaterra quando eu era insignificante na escala hierárquica em Harvard. Talvez por causa do meu baixo status acadêmico eu estraguei os esforços para trazer uma audiência suficientemente grande para ele. Ele teve de se retirar para um jantar em uma residência. O grande homem não estava contente. Mas depois da minha embaraçada introdução, ele fez uma excelente leitura em inglês (em sua defesa ele foi grato a mim).

Meu encontro seguinte com Freyre foi no Brasil, quando eu viajava pelo Nordeste com meu amigo Chico Barbosa. Depois de chegar, Chico me informou que era de rigor o compromisso com a ;saga de Apipucos;, sítio da residência dos Freyres próximo de Recife, capital do estado de Pernambuco. Como eu havia lido comentários de quem visita aquele lugar, conhecia o protocolo. Depois de sermos apresentados para a sua (um tanto jovem) esposa, Freyre retirou a tampa de uma elegante garrafa de licor. Nós então tivemos um tratamento com uma sucessão exótica (e muito potente) de drinks depois do jantar, conduzida pelo próprio mestre.

Nós mantivemos nossa lubrificada discussão noite adentro. Era uma peregrinação fundamental para um jovem brasilianista. A última vez que encontrei ele e sua esposa foi em um modesto restaurante do Rio. Ele estava agradável, como sempre.

Guimarães Rosa (1900-1987)
O notável autor da aclamada obra Grande Sertão: Veredas foi um de diversos autores brasileiros traduzidos para o inglês graças a Alfred Knopf, o ilustre editor de Nova York. Foi nos escritórios de Knopf que eu tive a chance de conhecer João Guimarães Rosa.

Eu havia desenvolvido uma relação com Knopft devido a um artigo que eu publiquei criticando um dos livros brasileiros lançados por ele. O editor, que se mantinha atento a tais críticas, decidiu que eu sabia do que estava falando, e me colocou em uma lista de amigos na anual Convenção da Associação Histórica Americana.

Devido a essa conexão, ele entrou em contato comigo quando ambos estávamos no Rio. Ele havia viajado ao hemisfério Sul para se casar novamente. Ele havia perdido a esposa anterior, Blanche, alguns anos mais cedo. Blanche foi uma ótima parceira em suas aventuras como editor.
Knopf havia se apaixonado pelo Brasil por causa dos excelentes autores do país, os quais ele havia apresentado para leitores cuja primeira língua é o inglês. Então, ele queria que sua futura esposa conhecesse o Rio.
Eu e minha esposa havíamos recebido um convite para a cerimônia de casamento, a qual foi realizada no Country Club mais chique de Ipanema. Nós chegamos lá cedo e a única outra pessoa no salão era J. G. Rosa. Eu o reconheci, o apresentei para minha esposa, Felicity e nós tivemos uma agradável conversa antes da cerimônia. Um gosto diferente do SERTÃO.

Otto Lara Resende (1922-1992)
Esse endiabrado e pequeno homem de meia idade foi o meu colunista preferido do Rio por muito tempo. As colunas dele eram preciosidades elegantemente escritas e muito prazerosas de se ler. Eram comentários mordazes sobre a política diária e não pouco filosóficos. Eu não consigo me lembrar se ele era ou não mineiro, mas ele certamente tinha essa qualidade.

Eu não havia tido o prazer de encontrá-lo até que chegou o momento da posse do meu amigo Alberto Venancio Filho na Academia Brasileira de Letras (uma instituição que era outro sinal da influência francesa). O francês era a segunda língua na América Latina quando eu, pela primeira vez, parti para terras abaixo do Equador (meu alemão era bom, mas não muito usado nos trópicos francofônicos - infelizmente meu francês era execrável - para usar seu "bon mot" - "boa palavra", em francês).

Essas posses da Academia eram estritamente formais, então eu tive que usar trajes apropriados, com algumas despesas. Depois da cerimônia, com a participação de vários amigos em comum (o endereço elegante de Alberto foi dito com tanta rapidez que eu não entendi uma palavra), fomos para uma grande mansão nos montes de Ipanema. No almoço de gala, eu estava sentado em uma mesa perto do espirituoso Otto. Foi ótimo ter sido incluído nessa extensão de celebridades literárias. E aquele jornalista inteligente apareceu com certa frequência nos meus estudos sobre o Brasil.

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