Diversão e Arte

Cineastas e exibidores analisam futuro do cinema brasileiro

Incertezas, em termos de novos rumos para o segmento audiovisual, a partir do atual governo, e debates, desautorizam um oba-oba em torno do panorama cinematográfico

Ricardo Daehn
postado em 18/06/2016 15:43

Cena de Os dez mandamento - O filme: sucesso de bilheteria nas salas brasileiras

Num mesmo ano, cinco filmes nacionais na vitrine mundial do Festival de Cannes e o estabelecimento da quebra de um recorde ; com um fenômeno controverso chamado Os dez mandamentos ; O filme (com público superior a 11,2 milhões de espectadores, que jogou terra até em Tropa de elite 2), além de uma sinalização de continuidade no volume de longas brasileiros em produção. Na véspera do Dia do Cinema Brasileiro, que celebra as inaugurais imagens captadas no país (em 1898), entretanto, nem tudo pende para comemoração. Algumas incertezas, em termos de novos rumos para o segmento audiovisual, a partir do atual governo, e debates, desautorizam um oba-oba em torno do panorama cinematográfico, como destacam opiniões coletadas pelo Correio junto de integrantes da cadeia produtiva da sétima arte.

Nutrindo a expectativa de aumento em público e renda para 2016, o diretor-geral da Paris Filmes Márcio Fraccaroli, às vésperas da participação no lançamento de Porta dos Fundos ; Contrato vitalício, não prevê problemas de produção nem viradas no andamento de políticas públicas para o setor. ;O desafio é buscar novos gêneros que extrapolem o sucesso das comédias. A indústria está estruturada sim; há problemas na distribuição, pela falta de recursos para todos os filmes nacionais serem distribuídos. Infelizmente, o público é resistente a filme que não seja comédia;, observa o executivo. Encadear o fluxo de bons filmes é meta, uma vez que ;o mercado só diminui quando a produção é fraca;.

Quem contesta a torrente de fitas, mesmo ;sendo amante do cinema brasileiro;, é o produtor e distribuidor Jean-Thomas Bernardini, atuante há 26 anos no país. ;Num montante de 200 filmes, 180 deles são ruins. Nisso, há a projeção do fim de um ciclo. Nem todos os títulos valeriam a pena entrar. Há muito do cinema que copia fórmula romântica da novela transformada num ;cinema de tevê;;, repara o empresário francês. Há cinco anos, dado como pessimista, ele integrou debate da Ancine, em que sublinhou: ;O Brasil está matando o cinema brasileiro;.

O quadro, na visão de Bernardini não é animador, ao ver a Ancine ;em cima do muro; e acompanhar uma redução em fórmula ;de dinheiro fácil; que não se sustenta por muito tempo, em relação às comédias. Vale a menção de que apenas três fitas nacionais, até o momento, bateram o número de 1 milhão de espectadores, entre as quais Um suburbano sortudo e Até que a sorte nos separe 3.

;Comercialmente, apostar em comédia é um tiro certo. No passado, filmes que fariam 1 milhão de público se multiplicariam em duas, três vezes. Em compensação, aqueles da casa dos 50 mil de público, nas salas, passaram a colher entre 10 ou 3 mil;, comenta Bernardini. Ele acha que o Brasil, tal qual qualquer país, não produz mais do que 10% de fitas representativas, em termos de arte. ;No nosso modelo, o distribuidor tem que injetar dinheiro na produção. Colocaram uma cota de tela onde, mesmo sem critérios possíveis de programação, os exibidores, a fim de não pagarem multas, exibem filmes produzidos numa escala três ou quatro vezes maior do que deveria ter;, reforça o estrangeiro.

Números intrigantes
Com uma cartela de 180 títulos lançados, em 2016, o Brasil emplacou, por enquanto, cerca de 50 nacionais. Mas houve retração no percentual de fitas que elevaram êxitos. Em 2009, por exemplo, 18% do público se impressionava com fitas nacionais, contra os 15% mobilizados em 2016. É intrigante ver filmes como A luneta do tempo (de Alceu Valença) e Chico ; Artista brasileiro assistidos, respectivamente, por pouco mais de 7 mil espectadores e 28,6 mil. Na sexta posição, entre os mais vistos, Sérgio Rezende, mais de 35 anos de profissão, teve o longa Em nome da lei visto por menos de 300 mil espectadores.

;Resposta de público, muitas vezes tem pouco a ver com a qualidade. Há possibilidade de mídia, de marketing ; mas ninguém define o que baterá no inconsciente, formando as filas de público. Fala-se da explosão de comédia, desde os filmes de Oscarito e Grande Otelo. É bom que haja filmes maravilhosos como O auto da compadecida. Não há fórmula sagrada nem ação coercitiva para demandar público de cinema;, diverte-se. Exemplo claro vem do cinema da filha dele, a diretora Júlia Rezende, que coletou altos números com o longa Meu passado me condena, mas não foi tão bem com a comédia Ponte aérea.

Abordando os meandros da justiça, no mais recente filme Em nome da lei, Rezende comemora a diversificação. ;Minha geração buscava valores culturais para o Brasil, longe do entretenimento puro. Mas, com ele, as distribuidoras se fortalecem e há pluralidade, como nos sabores de uma sorveteria. Acho que nem todo mundo vai à livraria comprar Shakespeare. Mas, se há a autoajuda e que vende muito, isso não quer dizer que um Shakespeare ou um Ferreira Gullar deva parar com a escrita. Não há como impedir os outros de pensarem;, comenta o cineasta.

Apesar do quadro negativo ; no pequeno número de salas de cinema (menos de 3.000) e na falta de salas independentes ou de rua no Brasil ;, Fávio R. Tambellini, experiente diretor (Malu de bicicleta) e produtor (de fitas como Campo grande e Muitos homens num só), ressalta que o cinema brasileiro está num processo forte de renovação, em termos profissionais. ;Voltamos a revelar talentos que depois vão para a tevê, e não o contrário. Acredito que o futuro do cinema está diretamente ligado a parcerias com tevês, com a plataforma de streaming, um modelo em que a tevê avança na compra, e os recursos vão para a produção;, prediz Tambellini.

Uma desconfiança se instaura quando Tambellini discorre sobre a formatação do atual governo. ;O audiovisual é um setor estratégico de um país, e, o cinema, a síntese de todas as culturas. Um país forte sempre tem um cinema forte;, comenta. ;O mercado do audiovisual talvez seja o único aquecido no meio dessa crise. Filmes e séries têm sido feitos em larga escala, e as equipes estão sempre ocupadas. O cinema brasileiro é recorrente em crises, mas vejo a instabilidade de hoje como política. No momento, o cinema não está em crise;, comenta, algo assustador com a possível insensibilidade de gestores da política econômica capazes de tratar o cinema como supérfluo.

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