Diversão e Arte

Erotismo é vertente que invade trabalho de escritoras brasilienses

Poetisas investem no gênero literário para expressar a multiplicidade e a riqueza de nuances da experiência sensual das mulheres

Isabella de Andrade - Especial para o Correio
postado em 22/06/2016 07:00
Calendário Poesia Nua, com Seirabeira, mês de julho
Empenhadas em ampliar cada vez mais o espaço feminino na literatura, autoras brasilienses adeptas da poética, prosa ou narrativa, abrem os caminhos de um espaço cada vez mais explorado por mulheres: o da literatura erótica. Escritoras como Seirabeira e Ágata Benício criam suas obras permeadas entre o erotismo das palavras bem encaixadas e mostram que o campo a ser explorado por elas é amplo. Inspiradas em nomes como Hilda Hilst e Gilka Machado, elas mostram que é possível conectar o erotismo da poesia e da vida no cotidiano de seus leitores. Entre os pontos que se entrelaçam na criação das escritoras está a busca pela livre expressão poética pessoal, irreverente e fora dos clichês.
A escritora Ágata BenícioÁgata Benício, adepta dos contos e poesias, escreve atualmente uma série erótica cuja personagem principal é um detetive chamado Carlão. Ela conta que o gênero erótico veio como um exercício de escrita e, primeiramente, como um exercício de narrativa sobre essa cena cotidiana na vida de todas e todos ; a cena do sexo. ;Há pessoas que narram essa cena com uma frase; outras evitam narrá-la nos seus textos pelo potencial que a cena tem de se pendurar em clichês. É essa dificuldade na narrativa do sexo que eu tenho necessidade de explorar. Mas escrever contos eróticos também é, para mim um outro tipo de exercício, um exercício subversivo, de mudança de ótica, de giro de calcanhares;, afirma a autora. Para Ágata, a narrativa erótica desperta algumas questões importantes e ainda consideradas tabus, como: de que maneira falar das iniciações sexuais das mulheres? Como escrever pornografia que fale de mulheres desde o centro da cena, de mulheres que desejam?

A escritora conta que costuma participar de saraus da cidade e que esta é uma oportunidade única de sentir a resposta das pessoas sem muitas mediações. ;Como são textos bem-humorados, a reação mais evidente é a de surpresa, acho, com alguma virada do texto, alguma frase chave. Vejo sorrisos quando eu acabo de apresentar;, afirma. Depois de participar de um desses saraus, a autora foi convidada pelo coletivo Sauá filmes, de Brasília, para transformar um de seus contos em curta-metragem, projeto que pretende levar em frente, conectando literatura e cinema. Ágata acredita que o ato de escrever, compor ou realizar qualquer trabalho criativo autoral é emponderador, especialmente para as mulheres.

A poeta Conceição Targino Conceição Targino é outra representante da literatura erótica brasiliense e escreve suas poesias sob o heterônimo de Lindha Torres. Enquanto a escrita de Ágata Benício é mais forte e impactante ao primeiro olhar, Targino vai pelo caminho do erótico sensual, mais suave, evitando o explícito. ;Gosto de deixar o leitor imaginar;. A poetisa acredita que ainda há preconceito quanto ao erotismo, no entanto, a aceitação no mercado literário tem crescido aos poucos. ;Nos saraus eróticos percebe-se sempre um grande público, isso mostra que as pessoas gostam muito. A partir da literatura, percebo-me uma mulher sensual e gosto desse meu lado. Minha inspiração vem do cotidiano, uma palavra que ouço, uma música que escuto;, afirma.
A poeta Seirabeira gosta de dizer que seu nome representa a liberdade na escrita (uma aglutinação de: sem eira nem beira), sem medo, sem amarras. A escritora faz parte da coletânea Poesia nua, que será lançada ainda neste ano, com co-autoria de 9 poetas brasilienses que produzem a partir da lírica erótica. Seirabeira acredita que as coisas podem ser sensuais, instigantes, sem ser eróticas. ;Caminho pelos dois. E vou além: chego até o pornográfico, à coisa mais escrachada. Dou voz aos vários leitores. Meu público é um leque de diversidade. Sempre senti essa dimensão humana do erótico como uma expressão bela, rica e legítima do ser. Não vejo o sexo e os apetites sexuais como algo impuro ou pecaminoso. Acho muito bonito poder externar os desejos mais intrínsecos da psique e do instinto animal;, afirma. Para a escritora, suas poesias são feitas como uma forma de viver suas fantasias não concretizadas no real, sendo que, além do erótico, destacam-se em sua escrita o amor, a paixão e o amor não realizado.
Para ela, o público que gosta do erótico vibra com a liberdade de poder ler sobre seus fetiches e afirma: ;É quase uma absolvição ou uma chancela de poder sentir aquilo. É tão permitido que as pessoas me dão feedback de como ficaram excitadas ou adoraram aquele verso escancarado na tela do celular. Elas reverenciam a liberdade;. A poesia seria então outro caminho para o emponderamento da mulher. Seirabeira conta que o acolhimento do público ainda não é tão grande ao se tratar do erótico e que perdeu vários seguidores em suas redes sociais quando começou a publicar contos que seguem essa linha. ;Sinto que ainda é tabu a mulher falar ou descrever nos mínimos detalhes sobre a libido. É você se assumindo perante si e os outros. Descubro-me mais como ser humano e me permito sentir plenamente mulher e acatar como parte de mim aquilo que pode ter sido em outras épocas objeto de repressão ou vergonha;, conta.

Como ponto de inspiração Ágata Benício conta que um ótimo caminho é observar as omissões nos textos de autores e poetas. "Toda vez que eu percebo que uma escritora pulou uma cena de sexo no seu texto eu tento escrever para ela. Pura arrogância. Claro que meu corpo, minh as percepções também são nortes importantes. Eu gosto de pensar que o que eu tento fazer é uma espécie de pornografia feminista, com todos os paradoxos que esta expressão implica. "Se eu consigo, ainda não sei", declara. Para a autora, sua principal busca, e talvez a tarefa da escrita em geral, é o jeito de contar boas histórias. "Esse jeito pode surgir em qualquer cena cotidiana, mas só quando eu tenho muita sorte", declara. A poeta lembra que a escrita erótica pode ser um caminho de emponderamento das mulheres, que, atualmete, encontram espaço para quebrar as barreiras historicamente criadas.
Confira aqui poemas escritos pelas autoras:
Música, maestro!
Afinando o instrumento...
tudo vibra
a lâmina do corpo flamejante
a orquestra à espera do regente
início
da peça!

(Por Lindha Torres)
Quarta Nua e Cheia
Quarta corta e recorta
o desejo aceso nos quartos.
Garra afiada nas costas,
lambidas nos lábios,
coxa encaixada
rente à porta,
a fresta engolida
e a gravidade morta.
Quarta na sala
por todos os lados,
fora do quarto,
de frente, de lado,
em cima, bem baixo,
por cima, de quatro.
Quarta morro de prazer;
mas juro que te mato.
(Por Seirabeira)
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