Diversão e Arte

Livro reúne trabalho de pessoas com esquizofrenia e transtorno bipolar

Por meio da chamada arteterapia, reflexões ocupam folhas de papel e representam o universo de cores e rabiscos presentes na cabeça de cada um

postado em 26/06/2016 07:33
Por meio da chamada arteterapia, reflexões ocupam folhas de papel e representam o universo de cores e rabiscos presentes na cabeça de cada um
;E se somos um pouco loucos, que seja: não somos também um pouco artistas o suficiente para contrabalançar as inquietações a este respeito pelo que dizemos com o pincel?; Assim como descreve Vincent van Gogh, desenhos, cores e traços assumem a postura de retratar sentimentos. Expressões que fogem de palavras e explicações ganham formas únicas e surpreendem ao estampar composições artísticas. É da vontade de colocar para fora da imaginação esses encantos e transtornos da mente, muitas vezes inabitáveis em ambientes reais, que pessoas com esquizofrenia e bipolaridade transformam os pensamentos em pintura. Por meio da chamada arteterapia ou apenas pela vontade de fazer arte, reflexões ocupam folhas de papel e representam o universo de cores e rabiscos presentes na cabeça de cada um.

Segundo professora da Universidade de Brasília (UnB) e terapeuta ocupacional Andrea Gallassi, antes vistos como doentes mentais e internados em hospitais psiquiátricos longe de espaços de convívio social, os esquizofrênicos, que sofrem de distúrbios psíquicos e alterações na consciência e percepção do pensamento, foram submetidos a maus-tratos e negligências na atenção à saúde. Porém, hoje essa realidade foi submetida a mudanças. Com pincéis e lápis às mãos, os tratamentos passaram a ter momentos considerados mais leves. ;A Nise da Silveira foi uma das primeiras a apontar necessidades de mudanças na prática da psiquiatria ao utilizar outras formas de cuidado ; a arte; como recurso adjuvante no processo de tratamento em saúde mental;, acrescenta a terapeura.

Realidade distorcida
Depois de oferecer oficinas artísticas a pessoas com esquizofrenia e bipolaridade, o Instituto Lado a Lado pela vida lançou em parceria com o projeto Janssen a sexta edição do livro Arte de viver. Na obra, cores fortes se mesclam em pinturas, desenhos e versos feitos pelos pacientes. Traços fortes, como se o artista se agarrasse à tinta para não deixar escapar lágrimas ou sorrisos do papel marcam as páginas do livro. Linhas, em sua maioria trêmulas, transmitem ondas de sentimentos perdidos e apresentam uma verdade escondida por trás de uma distorção da realidade. ;A arte traz tranquilidade. Faz com que o paciente consiga expressar o que está sentindo e isso ajuda no tratamento e nas observações;, conta a curadora do livro, Bel Lacaz.

Lembrada pela falta de concentração ou pseudoalucinações visuais e auditivas, a esquizofrenia ganhou uma roupagem alucinante quando aliada à arte. Entre as 130 pinturas do livro, observa-se a exploração da criatividade. ;As pessoas com esquizofrenia sempre foram vistas como pessoas com um transtorno mental que precisava ser controlado e a remissão dos sintomas de alucinação e delírio a meta a ser alcançada.; Como explica a terapeuta Andrea Gallassi, a arte trouxe mudanças ao modelo de cuidado em saúde mental, o que favorece a inserção social dos envolvidos. ;Trouxe uma revisão ética da postura da sociedade em relação a essas pessoas, ou seja, elas devem ser vistas como sujeitos em função de suas diferenças;, argumenta.

De acordo com Gallassi, entre pacientes esquizofrênicos, há a necessidade de locais e pessoas que ajudem a garantir cidadania, qualidade de vida e cotidiano. A interação artística atua como ligação e ajuda a promoção de trocas sociais e afetivas em uma relação de parceria. ;Proporciona expressão e comunicação. Não só pelo ato de criar, mas também pela própria manipulação dos materiais e das relações estabelecidas durante esse fazer, em um processo contínuo de promoção de saúde e melhor relação com a doença;, completa.


Do sentimento à poesia
;Na casa do altar,/ sigo, de mim, o que resta/ pleno de luz essencial,/ no caos da vida pessoal.; Assim como nos versos de Ricardo de Almeida, contribuidor do livro Arte de viver, as poesias da obra cantam as delícias e loucuras de sentir. Inseguranças, desejos e devaneios rondam a cabeça de poetas que compõem cada letra dos versos publicados. Do mesmo jeito que na pintura atua na expressão e comunicação, com a poesia, a arteterapia ajuda a externar a imaginação.

Ao citar Vincent van Gogh, a curadora Bel Lacaz fala das influências de males físicos e mentais. No olhar da curadora, a arte entra na vida das pessoas para tranquilizar efemeridades e apresentar formas criativas de expressar sentimentos. ;A análise feita pela curadoria é baseada não no paciente, mas naquilo que ele exprimiu; no enquadramento, na luz, linha e no tema;, explica. Segundo Lacaz, para analisar grandes obras de arte é preciso procurar a essência das composições. ;Os pacientes de esquizofrenia e bipolaridade são pessoas muito sensíveis e é a partir do momento em que se consegue colocar essa sensibilidade no papel que se vê o dom;, completa a curadora.

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