Diversão e Arte

Maria Alice Vergueiro encena o próprio velório em peça corajosa

Atriz diz ter medo de morrer, mas também revela que gosta de temas tabus

Nahima Maciel
postado em 06/07/2016 07:30

Maria Alice Vergueiro e Luciano Chirolli em cena de

Maria Alice Vergueiro ainda tem medo de morrer. Antes de partir, há alguns anos, o irmão da atriz revelou estar com medo e ela ficou com aquilo na cabeça. Passou a temer também. Para explicar, ela cantarola os versos de Gilberto Gil: ;não tenho medo da morte, mas de morrer, sim;. Fazer teatro é um jeito de lidar com os medos e por isso há bastante sentido na decisão da atriz de 81 anos em encenar o próprio velório em Why the horse?. Maria Alice é a homenageada da 19; edição do Palco Giratório e a peça, encenada desde o ano passado, chega agora ao Teatro Sesc Garagem.

A própria atriz assina a direção do espetáculo, mas é no grupo Pândega, com o qual já produziu dois trabalhos, que deposita os méritos. ;Outro dia estive lá no Teatro Oficina, com o Zé Celso. Rimos juntos e gostei muito de estar com ele, mas também pensei que os Zé Celsos futuros estão para chegar, e acredito muito neles. Dentro do meu grupo mesmo, eles são espontâneos, estão prontos;, garante a atriz, ao refletir sobre a repercussão de Tapa na pantera, curta de 2006 que se tornou viral e arregimentou uma legião de jovens fãs para a atriz. Com uma bagagem que vinha da experiência ao lado de ícones da dramaturgia brasileira, como José Celso Martinez Correa e Augusto Boal, Maria Alice se viu idolatrada por um público jovem e disposto a tomar para si o discurso proferido no vídeo pela personagem, uma senhora que fuma maconha há décadas, mas nunca se viciou.

Em Why the horse?, a atriz divide o palco com Luciano Chirolli, Carolina Splendore, Alexandre Magno e Robson Cartalunha. O texto tem dramaturgia de Fábio Furtado, mas foi criado em conjunto, há mais de dois anos, quando Maria Alice tratava uma infecção após implantar uma prótese no joelho. Os atores se reuniam no hospital para sessões de happenings que resultaram em apontamentos colhidos por Furtado e depois transformados no texto da peça. ;Hospitalizada, o grupo me visitava muito e estive presente, inteira. E rimos muito;, conta. ;E o happening está perto da improvisação global, você consegue pegar algumas cenas e desenvolver o trabalho.;

Desafio pessoal
À montagem, Maria Alice quis incorporar um monólogo de Samuel Beckett, um pequeno desafio que ela ficou bem contente em se impor. ;Me deu muito prazer em fazer, porque é muito complicado, difícil. Entrei na vontade de fazer e deu certo;, conta. Encenar o próprio velório também foi um desafio. Desde a prótese no joelho, a atriz se locomove em cadeira de rodas. A descoberta do Parkinson, depois de a assustar com uma tremedeira nas mãos, aumentou o rol de limitações: ela não se sente mais à vontade para improvisar, uma de suas especialidades. ;O Parkinson dificulta esse tipo de trabalho porque, para a improvisação, você tem que estar próximo de um relaxamento. Você tem de fazer na hora em que está acontecendo. E, com o Parkinson, tenho certos movimentos involuntários;, diz.

Incorporar as próprias limitações foi fundamental para a atriz continuar a atuar. A cadeira de rodas, ela acredita, ainda será uma companheira durante um bom tempo, mas Maria Alice não enxerga o equipamento com aflição. Pelo contrário, é um alívio, já que ela se sente segura e consegue ter domínio dos movimentos no palco. Em 2011, ela viveu uma velha criada em As três velhas, texto do chileno Alejandro Jodorowsky encenado pelo mesmo grupo Pândega. Desde a cirurgia no joelho e o diagnóstico do Parkinson, Maria Alice procura por papeis cuja condição física seja semelhante às suas limitações reais. ;Se o papel condiz com a forma física, então me ajuda em vez de atrapalhar. Você adiciona, dentro das outras limitações. A velhice é uma limitação, uma pessoa com 80 anos já está limitada. E não sinto isso como uma limitação, mas como uma imposição da própria vida;, avisa.

Lidar com a morte no palco instigou atriz porque o tema é um tabu e essa condição enriquece o improviso e a criatividade. O caráter teatral de velórios funcionou como um atrativo. No entanto, Maria Alice garante que não há nada de lúgubre em Why the horse?. Ao contrário, está mais para o engraçado. ;Tiro sarro;, garante. ;É mais descontraído. E há a possibilidade de viajar por outros caminhos, por essas correntes do depois da morte, do hindu, do tibetano.; O grotesco também tem um lugar na atuação da atriz. Ela anda encantada pelo trabalho de Alejandro Jodorowsky e pela maneira como o chileno investe na exploração do inconsciente. ;O grotesco é uma forma de se comunicar muito legal; é meio caricatura, traz o teu momento mais precioso, mais criativo. E traz a possibilidade do happening, da improvisação;, acredita.



Festa do teatro
A 19; edição do Palco Giratório reúne 20 companhias que devem passar por 145 cidades com os espetáculos selecionados para a mostra. Entre eles está Adaptação, um dos vencedores do Prêmio Sesc do Teatro Candango. A peça representa do Distrito Federal na mostra e tem direção e interpretação de Gabriel F.

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