Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Ao Correio, Elza Soares fala sobre as motivações que tem para cantar

'A voz do milênio' também está confirmada na abertura das Olimpíadas do Rio


Elza Soares traz na voz o timbre do grito de luta de uma mulher negra, forte e engajada. A ;voz do milênio;, título dado pela rede britânica BBC, é de uma mulher negra, brasileira e feminista. Aos 80 anos ; 60 dedicados à música ; ela reafirma o merecido espaço entre as grandes divas da MPB. O primeiro trabalho de inéditas da cantora coleciona prêmios. ;Fruto de muita luta;, diz ela.

Com tanto sucesso e reconhecimento, Elza Soares foi confirmada para a cerimônia de abertura das Olimpíadas, que ocorrerá no Maracanã em 5 de agosto. Não é a primeira vez que a artista marca presença em um evento deste porte. Em 2007, ela cantou o Hino Nacional na abertura dos Jogos Pan- Americanos, também no Rio de Janeiro. ;Participar de cerimônias como essas tem um significado muito importante. Estarei lá representando o povo brasileiro, os negros, as mulheres e os gays;, destaca.

Lançado no ano passado, o álbum A mulher do fim do mundo soma prêmios, entre eles: Melhor Disco, no Prêmio da Música Brasileira .

Neste novo trabalho, o primeiro de inéditas, Elza conseguiu expurgar tudo o que viu e viveu, por meio de músicas, letras e arranjos pensados por ela. A artista quer levar benfeitorias para a comunidade carente de Centreville, de Santo André, em São Paulo. Para isso, a cantora lançou um financiamento coletivo no Kickante. O local escolhido vai totalmente de acordo com o repertório engajado, ousado e libertário de A mulher do fim do mundo, em que a intérprete se empodera como mulher negra e denuncia de maneira visceral os preconceitos raciais, a violência doméstica e social, além de abordar morte, sexo e negritude.

;A ideia para a campanha do Kickante surgiu para que pudéssemos deixar alguma coisa para o pessoal da comunidade. Vejo as mazelas sociais com muita tristeza, porque a gente não pode falar ou fazer nada, infelizmente. Isso é triste, muito triste. Então, a ideia é fornecer melhorias no dia a dia das pessoas que moram na região, como iluminação, segurança, encanamento, entre outras ações necessárias;, proclama Elza .

Ponto a ponto / Elza Soares

Luta e reconhecimento
Eu, mulher e negra, conquistei o meu espaço lutando. Mesmo com o sucesso com o CD (A mulher do fim do mundo), continuo lutando, e a gente sabe que não é fácil no Brasil. Trabalho sem patrocínio, por conta própria. Quando foi feito o CD, a gente teve que escolher música e pedi ao Guilherme Kastrup que fosse um trabalho que pudesse falar com a empregada doméstica, por exemplo. E tem muito de mim mesma no disco. São letras muito fortes. Maria de Vila Matilde, quem tem muito de mim, é um grande sucesso, graças a Deus e não toca em rádio. A mulher do fim do mundo é o princípio do mundo, fim das tragédias e início de coisas boas.

Eu não tenho nem palavras para falar do reconhecimento porque é muita luta, sem parar. Mesmo depois de operada, eu não parei um minuto sequer. Os prêmios mostram que vale a pena trabalhar. Pensei em desistir há alguns anos, mas Caetano Veloso não permitiu, me disse que uma abelha rainha não abandona a colmeia.

Amy Winehouse
O pai da cantora Amy Winehouse me convidou para fazer um trabalho com ele. Fizemos um trabalho bem bonito aqui no Brasil, Rio, São Paulo e Porto Alegre. O pai dela tomou a iniciativa de me procurar porque a Amy gostava muito de mim e uma vez ele levou um disco meu para ela.

Louis Armstrong
Ele me chamou de ;my daughter;; mandaram eu chamá-lo de ;my father;. Pensei que estava chamando ele para fazer outra coisa (risos). Falaram: ;Vai lá e chama ele de ;my father;, falei: ;não, não vou fazer isso, tá louco. E se ele aceitar, se ele gostar, o que eu faço?;. Mas cheguei perto do negão e ele: ;yeah, my daughter;, e eu ainda entendia que ele estava me chamando de;doutora, (doctor). E eu pensando: ;Pô, o cara me chamando de doutora o tempo todo, meu nome é Elza, Elza Soares;. Aí, me explicaram que ele estava me chamando de ;filha; e falaram também o que era ;my father;.

Sexualidade e feminismo
A sexualidade está maravilhosa, viva, não é uma sujeira, é uma coisa limpa e está maravilhosa. Hoje, a mulher tem mais liberdade para falar sobre sexo, que é um tema muito importante. As mulheres foram entendendo que têm liberdade para tudo e força para fazer o que ela quer.

Minha história de luta como mulher é muito forte, mas me tornei feminista mesmo quando conheci o Garrincha. Aí, tive que arregaçar as mangas e partir para a luta; ali entendi que eu era uma mulher forte. Antes disso, com o Ary Barroso, vi que eu tinha que lutar muito.

Voz e cordas vocais
Desde criança, quando comecei a cantar, eu tinha uma voz diferenciada. Meu pai e minha família não queriam porque, naquela época, mulher que cantava era prostituta. E, até hoje, a palavra de que eu mais gosto é ;prostituta;. Juro. Porque, no fundo, todo mundo se prostitui. Acho que no fundo a gente se prostitui muito, sem saber, mas se prostitui.

A minha fonoaudióloga, em São Paulo, fez um trabalho com a minha garganta. Inclusive, ela está indo agora para os Estados Unidos estudar a minha garganta. A minha corda vocal dá uma distorcida legal e eu não sabia disso. Minha corda vocal, de tão torta, é certa.