Diversão e Arte

Lellêzinha, a garota do passinho, fala sobre racismo, Brasília e funk

Ela esteve na capital federal durante o Festival Latinidades

Adriana Izel
postado em 31/07/2016 07:38
Ela esteve na capital federal durante o Festival Latinidades
A carioca Alessandra Aires Landin, mais conhecida como Lellêzinha, se tornou nos últimos anos um exemplo para as jovens meninas. Ela é uma das vocalistas da banda Dream Team do Passinho, que une o funk e a dança passinho, além de ter feito sucesso na televisão nas novelas
Malhação e Totalmente demais. Lellêzinha foi a primeira menina a dançar oficialmente o passinho nas competições no Rio de Janeiro. Sofreu preconceito, viu o estranhamento dos meninos, mas superou tudo isso e hoje divide os vocais e os passos com Diogo Breguete, Hiltinho, Pablinho e Rafael Mike no Dream Team do Passinho. ;Eu fui a primeira menina a entrar no movimento. Antes, o passinho era totalmente masculino em todas as comunidades;, lembra. Neste fim de semana, o grupo veio a Brasília participar da nona edição do Festival Latinidades, que é realizado no Museu Nacional da República, com entrada franca.

Entrevista // Lellêzinha
Como você começou a dançar passinho?
Eu comecei com 11 anos. Na verdade, eu danço desde que nasci. Digo que na minha família só tem artista (risos). Meu irmão de criação que me ensinou. Ele ia muito para os bailes e minha mãe não me deixava ir por conta da idade, então quando ele voltava, ele me ensinava. Foi assim que comecei no passinho. Eu fui a primeira menina a entrar no movimento. Antes, o passinho era totalmente masculino em todas as comunidades. Só havia homens dançando. Quando eu comecei teve um estranhamento. Havia muito preconceito. Nenhum garoto gostava de perder uma batalha de passinho para uma mulher. Fui aprendendo, fazendo vídeos... As pessoas sempre postavam vídeos na internet e rolava uma disputa lá, com a galera dizendo quem era o melhor. Era uma espécie de batalha na internet.

Além de dançar, você canta e atua. Como esses dons artísticos foram aparecendo para você?
Desde novinha eu falava que queria cantar, atuar e dançar. Pequena, eu já dançava. A vida artística é algo que me deixa muito feliz. Dançar me deixa muito feliz. Depois descobri que atuar também me fazia bem. Nada melhor então do que explorar todos esses talentos, que eu nasci, poder me sustentar com isso e ainda me divertir com meu próprio trabalho.

Qual foi sua primeira batalha de passinho?
As pessoas sempre postavam vídeos na internet e rolava uma disputa lá, com a galera dizendo quem era o melhor. Era uma espécie de batalha na internet. Fui me envolvendo, ganhando espaço, conhecendo as pessoas. Minha primeira apresentação na Batalha do passinho foi no Cantagalo e depois, no Morro da Formiga.

Para você, qual é o motivo de o passinho ter se tornado um fenômeno mundial?
Acho que é porque o passinho bebe de todas as fontes de dança. É nada mais, nada menos, do que todas as danças juntas. É a dança da favela. O passinho é um momento de muita liberdade e alegria. É até difícil de explicar em palavras. No passinho, a gente pode ser o que quiser. Ele traz uma alegria. É a arte da gente se expressar. Esse é o segredo do sucesso: o pobre e o favelado tem esse meio para se expressar com liberdade aquilo que ele não consegue falar. Sei que as pessoas pensam que impossível ao ver os moleques de mola cruzando a perna. Mas não é tão difícil.

Como surgiu de fato o Dream Team do Passinho?
Eu fui convidada para fazer um comercial. Não existia o grupo ainda. Eramos apenas amigos que dançavam o passinho. O vídeo bombou, em apenas uma semana teve milhões de visualizações. A gente decidiu virar um grupo. A gente já gostava. Era nosso sonho levar o passinho para mundo, torná-lo uma dança cultural, que eu acredito que já é, assim como o frevo e o samba. Hoje estou aí com o Dream Team do Passinho. Gravamos um disco, que é o Aperte o play, e agora estamos trabalhando a música Vai dar ruim, em que o clipe foi dirigido pelo ator Lázaro Ramos.

Antes mesmo do clipe de Vai dar ruim, vocês já se destacavam com as gravações de Vida e De ladin. Por que investir tanto em clipes?
A gente investe nos clipes porque as pessoas vão ver, vão se interessar e vão se identificar. É sempre uma coisa bem alegre. Na verdade, pensamos que imagem é uma coisa bem real. Então, a gente zela muito pelas nossas origens. Nossa personalidade vem da favela. É o que a gente mostra nos clipes. Em Vai dar ruim, a gente resolveu, além de colocar nossas personalidades, homenagear a cultura africana. Colocamos vários tipos de estampas, fizemos uma coisa mais ousada. Fiz um penteado que não faz parte do meu dia a dia.

No clipe de Vai dar ruim vocês mostram a cultura africana. Qual é a importância de aproximar o brasileiro da cultura da África?
Acho que está tudo junto e misturado. O negro brasileiro e o negro africano tem muito em comum. A cultura, a dança, o molejo. Está tudo muito próximo um do outro. Eu me sinto africana. O povo negro tem que exaltar um ao outro. Tenho minhas inspirações que são principalmente pessoas negras. É muito importante falar sobre isso e homenagear a África. Acho que não tem nada melhor do que ser grato a algo que também faz parte da sua origem.

Você nasceu na Praça Seca, que fica na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Você ainda mora lá?
Sim, moro na Praça Seca, com minha mãe, minha vó, meu tio. Todo mundo com quem eu moro é coroa (risos). Tem também a minha cachorrinha, a Vida.

Engraçado, o nome é exatamente da música que os levou ao sucesso, né?
Isso. Foi uma música muito importante porque o cantor Ricky Martin tinha vindo para o Rio de Janeiro gravar essa música e logo em seguida nosso primeiro trabalho foi essa parceria com ele. Juntamos nossa cultura carioca com a cultura dele. Foi muito importante para gente e depois o Ricky Martin ainda fez um vídeo agradecendo a gente, falando que era muito bom. Se o Ricky Martin disse que somos bons, quem sou eu para duvidar. (Risos).

Temos visto muitos casos de racismo na internet. Como você se posiciona sobre isso?
O racismo é a pior coisa do mundo. Porque o racismo você não pode simplesmente pegar, tirar da pessoa e jogar no lixo. Ele está no coração, que é terra que ninguém pisa. Tem gente que é racista porque é ignorante, tem gente que é racista porque é babaca. A pessoa ignorante ela não sabe das coisas e a gente está aqui exatamente para se impor e falar. Mas tem gente que faz só para infernizar mesmo, falar bobagem atrás de uma tela. Ela não ganha nada com isso. Quando o negócio é internet, eu pesquiso muito. Olho o perfil da pessoa que está falando, vejo fotos, procuro o que a pessoa pensa. Fico analisando se vale a pena responder. Mas o que realmente tem que ser feito é ir na Justiça. Se a pessoa vem te agredir porque você é mulher, negra, isso tem que ser resolvido na Justiça, assim como fizeram a Maju, Taís Araújo, Ludmilla e, agora, Preta Gil.

Você se tornou uma inspiração para as meninas jovens e negras. Como vê isso?
Na verdade, nunca pensei que poderia me tornar uma inspiração com meu trabalho, com minha música. Hoje faço parte de uma linha de produtos para cabelos cacheados (o produto Cachos Poderosos, da Garnier). Isso é uma vitória muito grande. É um presente entender que eu posso representar a menina da favela, a menina pretinha... É uma vitória porque eu era essa menina que não podia falar nada, que não tinha representatividade. A vida me deu essa oportunidade e eu quero ter cabeça no lugar, zelar pela minha saúde mental e crescer.

Como surgiu o convite para participar do Latinidades? E para você, qual é a importância do festival?
A gente (o Dream Team do Passinho) não havia participado antes. Essa é a nossa primeira vez. Ficamos muito felizes. Eu fiquei ainda mais feliz. Acho importante porque fala muito sobre empoderamento negro, sobre mulher negra, sobre história. Esse festival é um presente que a gente tem. É um modo de falar das mulheres negras, das nossas dificuldades e vitórias. É muito legal fazer parte disso. Ainda mais porque muitas mulheres importantes estiveram no festival. Mulheres que representaram bastante. Só de estar no meio, me deixa muito feliz, e aos meninos (Diogo Breguete, Hiltinho, Pablinho e Rafael Mike, integrantes do grupo) também.

Vocês já estiveram algumas vezes em Brasília. Como é a relação de vocês com a cidade?
Olha, fomos várias vezes a Brasília. Na mais recente, fomos a uma campanha em que fizemos uma música para alertar sobre o zika vírus (a faixa Mais direitos, menos zika). Tinha muita gente jovem acompanhando. Sempre somos muito bem recebidos. A galera diz que é muito fã, que gosta do passinho. A gente sempre fica muito à vontade e se sente em casa quando o assunto é Brasília.

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