Diversão e Arte

Conheça as histórias da criação de três obras de Di Cavalcanti

Obras foram concebidas especialmente para a integração com a arquitetura de Brasília

Severino Francisco
postado em 31/07/2016 11:38

A tapeçaria Os músicos pertence ao acervo do Palácio da Alvorada

Di Cavalcanti se tornou célebre pela exaltação da beleza das mulatas brasileiras, alçadas à condição de madonas tropicais. No entanto, uma faceta menos conhecida do pintor carioca é a de muralista e autor de trabalhos de integração arte-arquitetura, desenvolvidos a partir da década de 1950. Ele era muito amigo de Oscar Niemeyer. Os dois já haviam feito parceria no projeto Hospital Edmundo Vasconcelos, em São Paulo, inaugurado em 1954, com jardins de Burle Marx. Em Brasília, ele concebeu três obras especialmente para a integração com a arquitetura da nova capital modernista: a tapeçaria Músicos, para o Palácio da Alvorada; o painel Candangos, para o Salão Verde da Câmara dos Deputados; e Os passos da Paixão de Cristo, na Catedral Metropolitana.

O processo de criação do primeiro trabalho de Di Cavalcanti para Brasília, a tapeçaria Músicos, foi registrado em uma preciosa crônica escrita por Gilda Cesário Alvim em 4 de abril de 1958. Ela estava em um hotelzinho barato e sedentário, apesar do nome de trem expresso: Dinard: ;Num quarto do terceiro andar, Di Cavalcanti observa a rua e sonha com Brasília. E do sonho de Di Cavalcanti nascem mulheres, sinuosas e envolventes como lianas, mulheres serpentes, que o domador encanta, não com a clássica flauta, mas com pincéis e tintas;.

;A tapeçaria será de tons cinza, com grandes manchas azuis que lhe darão vida, sem quebrar a harmonia. Nada que choque, que desafine...;, escreve Gilda. Rubem Braga dizia que qualquer descrição de Di Cavalcanti sobre uma travessia de barco da Cantareira do Rio para Niterói era mais interessante do que a narrativa de uma grâ-fina sobre uma passagem por Paris. É esse poder de evocação que Gilda ressalta na crônica: ;Di sonha. E, aos poucos, a paisagem muda. As paredes se afastam, o sol rasga as nuvens pegajosas. O horizonte se alarga e a imensidão verdee de Brasília se estende sobre os telhados de Paris. Todo mundo no hotel já sabe e fala de Brasília. Todo mundo já sabe, já acredita nessa capital extraordinária que vai brotar, um dia destes, no solo virgem do Brasil;.

Di desenhou as figuras delicadas em cartões e solicitou que o trabalho fosse executado no prestigioso ateliê parisiense Tapisserie Aubusson. A crítica e pesquisadora Denise Mattar ressalta que os painéis de pintura, os murais, os azulejos e a tapeçaria estavam inseridos no projeto modernista de integração das artes na arquitetura: ;A tapeçaria tem a função de ocupar grandes espaços, tornar a arquitetura ser mais móvel e mais leve. Esse processo se intensificou com o Congresso Internacional Extraordinário de Críticos de Arte de 1959, às vésperas da inauguração de Brasília, sob a liderança do crítico Mário Pedrosa, formulador do tema A cidade nova ; síntese das artes;.

Denise considera o painel Candangos, instalado no Salão Verde da Câmara dos Deputados, o trabalho mais significativo de Di Cavalcanti em Brasília. Insere -se na vasta produção de murais em diversos pontos do país na década de 1950, quando a obra do pintor carioca ganha uma feição mais sintética, fragmentada e cubista: ;São obras de ornamentação e de integração com a arquitetura modernista. Elas se tornam mais monocromáticas, com variações em torno do azul, do cinza e do preto. No caso de Candangos, o resultado é excepcional. Sem dúvida, essa vertente foi uma demanda da arquitetura moderna;.

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