Nahima Maciel
postado em 02/08/2016 07:32
Quando o violonista Nelson Faria e o violoncelista Gustavo Tavares se encontram, sempre dá bossa. O primeiro mora na Suécia, o segundo, na Noruega. Volta e meia, fazem uma turnê juntos ou participam de um festival. Quando esbarram pelo mundo, os dois não conseguem evitar: fazem música. E aí, junta a admiração pela música brasileira com a amizade, o que, no caso desses músicos, é receita para novos projetos. Eles até se batizaram Tavares Faria Duo. De um desses encontros nasceu Chamber Bossa, o segundo disco de música brasileira realizado em parceria por Nelson Faria e Gustavo Tavares.
O Tavares Faria Duo já é uma instituição e Chamber Bossa ganhou um agregado, o percussionista Rodolfo Cardoso, que chega para criar o que Tavares chama, carinhosamente, de ;alvoroço e confusão;. ;O disco nasceu de um desejo de dar continuidade à proposta que Nelson Faria e eu iniciamos como duo no nosso primeiro CD, Na esquina de mestre Mignone, e da idéia de explorar essa esquina que reconhecemos entre música erudita e popular;, avisa Tavares. ;Esse é um conceito que temos trabalhado de várias formas, não só em concertos, mas também em palestras, demonstrações e clínicas em universidades e conservatórios.;
Para o violoncelista, muito da identidade brasileira na música está justamente nessa esquina entre o erudito e o popular e um dos objetivos do duo é buscar peças capazes de revelar essa roupagem brasileira. Isso vale para o repertório, mas também para a maneira como interpretam as músicas. É, na visão de Tavares, uma questão de musicalidade. Com a bossa nova, o duo já tinha uma identificação natural, mas a aproximação de Rodolfo Cardoso foi fundamental para a confecção do disco. Os amigos começaram a tocar em trio e a explorar as possibilidades da percussão do amigo. ;Rodolfo é um percussionista raro, igualmente hábil na percussão de orquestra e na percussão brasileira. Com ele, nós não temos somente alguém fazendo` o ritmo;, o que também já seria por si só importante, mas um músico que sabe acrescentar com grande refinamento toda aquela variedade sonora maravilhosa da percussão. Não podíamos deixar a oportunidade passar;, avisa Tavares.
Das 12 faixas de Chamber Bossa, quatro são clássicos bastante gravados. Apesar disso, Ai Iô Iô, Consolação, Samba do Avião, Amparo e Samba de uma nota só entraram simplesmente porque são muito boas e representam o que é essencial na bossa nova. ;Por outro lado, quantas gravações você conhece, nas quais essas três peças são tocadas por um violoncelo?;, questiona o violoncelista. Consolação, que não é exatamente bossa nova e sim um afro-samba de Baden Powell e Vinicius de Moraes, entrou porque é uma consequência do gênero e representa a raiz africana fundamental para a identidade musical brasileira.
Composta por Faria e Tavares, Chamber Bossa, música título do disco, funciona como uma releitura do duo para o gênero e a romântica Bossa de verão leva a assinatura do violoncelista. ;Quando eu fiz essa melodia, principalmente a primeira parte, com notas bem longas, o ritmo de bossa, e variações pequenas na harmonia, me veio a associação com algo como o calor do verão;, conta Tavares. ;A partir daí, surgiram, naturalmente, as associações com outras duas peças que eu gosto muito, e que também fazem referência ao verão: Summertime, de Gershwin, e a abertura Sonho de uma noite de verão, de Mendelsohnn.; Ele diz que as duas últimas não chegaram a influenciar, mas são citadas na composição.
Tom Jobim estudou piano clássico e, como em todo programa de estudo do instrumento, Fredéric Chopin é inevitável, por isso, ele também entrou para o repertório de Chamber Bossa. Em uma leitura bonita e com alguma liberdade, Prelúdio op. 28 n; 4 ganhou um lugar ao lado de Seresta n; 5 ; Modinha, de Heitor Villa-Lobos, para quem Bach era o fundamento da música. É uma pequena pitada do mundo erudito de Gustavo Tavares, acostumado a atuar como solista à frente das grandes orquestras europeias, mas também com trânsito no popular. O músico já gravou com o clarinetista cubano Paquito d;Rivera e com o pianista uruguaio Pablo Zinger, com os quais formavam o Triângulo. Ele explica que Tom Jobim bebeu no prelúdio de Chopin para criar Insensatez tanto quanto Villa-Lobos mergulhou em Bach para emergir com as Bachianas. ;Nessa esquina que o próprio Jobim criou nós tornamos a Chopin e tocamos o Prelúdio n.4 sem mudar nenhuma nota, com a diferença de que na nossa versão o violoncelo faz a melodia e o violão a harmonia. A harmonia e a melodia são as mesmas que Chopin escreveu. Nós só modificamos o ritmo do acompanhamento;, avisa.
Chamber Bossa
Gustavo Tavares (violoncelo), Nelson Faria (violão) e Rodolfo Cardoso (percussão). TF Music, 12 faixas. R$ 42
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