Diversão e Arte

Em conversa com o Correio, Emicida fala sobre rap, racismo e política

Além de falar sobre o novo disco, o rapper, que se apresenta hoje no CCBB, comentou a atual situação do país

Igor Silveira
postado em 06/08/2016 07:15

Além de falar sobre o novo disco, o rapper, que se apresenta hoje no CCBB, comentou a atual situação do país
Um dos artistas mais relevantes de sua geração, Emicida tem tamanho domínio sobre rimas que lhe permite versar sobre questões delicadas, como o racismo, de maneiras completamente diferentes. No disco mais recente, Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições de casa..., o rapper coloca o assunto de um jeito mais assertivo em versos da música Boa esperança, como O tempero do mar foi lágrima de preto / papo reto, como esqueletos, de outro dialeto / só desafeto, vida de inseto, imundo / Indenização? Fama de vagabundo. Já em Amoras, Emicida dialoga com as crianças em linhas lúdicas: E até Malcolm X contaria a alguém / que a doçura das frutinhas sabor acalanto / fez a criança sozinha alcançar a conclusão / papai que bom, porque eu sou pretinha também. O cantor é atração principal de hoje no festival Batida Afro, no Centro Cultural Banco do Brasil, e conversou com o Correio.

O rap é uma das principais ferramentas para dar voz às comunidades periféricas e pobres no Brasil. Que outros meios são fundamentais para isso?
O rap é um gênero musical. A maioria das pessoas que faz rap no Brasil, fez a opção de não se desconectar do ambiente em que nasceu, quer devolver algo para essas regiões que, na maioria das vezes, na imensa maioria das vezes, são também as regiões mais pobres da cidade. Como os pontos de vista da maioria da população não aparecem na imprensa hegemônica do nosso país, a cultura hip-hop e as manifestações culturais das quebradas acabaram tendo que cumprir esse papel de levar informação também. Isso nos alegra olhando do ponto de vista da solidariedade, mas entristece porque toda a nossa arte acaba, às vezes, sendo estereotipada como menos artística e unicamente ;ferramenta de transformação social;. O que é grandioso e nos dá orgulho, sim, mas tem muito mais coisa nisso do que muitos conseguem ver.

;E vou por aí, Talibã, ver os boy beber dois mês de salário da minha irmã; (sic). Você entra em conflito consigo ao cantar versos como esse em festas cujos preços são pouco acessíveis e perceber que muitas das pessoas que estão lá não conseguem entender a essência dessas mensagens?
Sou bem resolvido comigo, minhas linhas são retratos do que vejo. O público aumentou, mas nem todo mundo está interessado em captar 100% da mensagem que vêm nas letras, algumas pessoas enxergam aquilo somente como entretenimento, como a música que tem tocado no momento e querem estar perto daquela energia. Embora não seja o melhor aproveitamento no meu entender, é uma forma de consumo de música que também é honesta. São universos que colidem toda noite e todo dia. Mas eu não julgo as pessoas, não fico apontando o dedo para os outros, ir por esse caminho pode ser muito perigoso, quando você aponta um dedo para os outros, contra você se voltam três. Eu deixo que elas se encontrem na poesia por si só, falo do que vejo, do que vivo. Meu trabalho é como o de um fotógrafo, capto o momento e transformo em rima.

Qual é a sua avaliação da atual situação política do país? Pensa que sairemos dessa como uma sociedade melhor e mais consciente?
Não sairemos, porque nem tapar o sol com a peneira nós tapamos mais. O Brasil planta Fernandinho Beira Mar e depois quer chorar dizendo que tem pouco Dráuzio Varela. Eu, particularmente, me dou o direito de analisar a democracia com um pouco mais de profundidade e, em nosso país, não a vejo como algo além de um acordo de cavalheiros que nunca saíram do poder. Sergio Godinho, o cantor português, diz que a democracia é o pior de todos os sistemas, com exceção de todos os outros. Eu sempre rio amargurado ouvindo a verdade dessa citação. Nossa burguesia se move apenas pelo ódio, não há nada que se possa respeitar, intelectualmente falando, na imensa maioria das pautas colocadas por ela na mesa. A maioria da população que anseia por um convite para chegar mais perto dos banquetes da Casa Grande vai reproduzindo a mesma lógica ignorante e dando tiros no próprio pé. Tem gente achando que tem um argumento coeso nas mãos quando chama um governo como o do PT de comunista; quem não fica batendo palma para louco dançar é acusado de ser financiado pelo governo; Lei Rouanet, que ninguém sabe o que é, nem sabe como funciona, mas todo mundo odeia agora... Pura burrice, nivela o debate por baixo, desrespeita o tempo deles e o nosso. Todo mundo quer um país diferente, desde que nada mude. Esse Michel Temer no poder é um gol da Alemanha a cada canetada.

SERVIÇO

Batida Afro
Centro Cultural Banco do Brasil (SCES, Trecho 2, lote 22). Amanhã, a partir das 17h30. Shows de Orquestra Jovem Reciclando o Som; Muntchako; Ifá Afrobeat e Emicida. Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia). Não recomendado para menores de 16 anos.

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