Ricardo Daehn - Enviado especial
postado em 07/08/2016 07:38
São Paulo ; ;Não é um remake, temos outra pegada: é uma releitura;, enfatiza Rodrigo Santoro, a cada momento que responde algo relacionado a Ben-Hur, um clássico do cinema que, modernizado, coloca o brasileiro na pele de Jesus Cristo. Interpretar um enredo de livro escrito em 1880 levou o astro de 300 a assimilar contemporaneidade nas reflexões.
;Mesmo que a gente esteja falando de um épico, é absolutamente saudável levantar discussões. Talvez, hoje em dia, a gente esteja se encontrando num ;vezão;, no vazio extremo dado pela ansiedade, nos tempos muito acelerados, muito violentos. Na época do Ben-Hur era: ;Ou eu ou ele (romanos);. Agora é: ;Nem eu nem ele;. Não temos conseguido assimilar, e, nas buscas, queremos espiritualidade, conforto, por sermos humanos, e termos um mundo caótico à frente;, avalia o quarentão.
Com a primeira exibição pública mundial, em São Paulo, Ben-Hur tem como chamariz a refeitura de um clássico absoluto das telas que, em 1959, arrebatou 11 prêmios Oscar. O reconhecimento até hoje, só foi igualado a O Senhor dos Anéis ; O retorno do rei (2003) e Titanic (1997). Ao lado de Jack Huston, inglês no papel-título que havia sido de Charlton Heston, Santoro descartou comparações com o original que tem pouco menos de quatro horas de duração.
;O personagem Ben-Hur poderia ser brasileiro: não desiste nunca! Acho que isso pode ser algo inspirador, para o momento que vivemos;, comentou o ator, que, para além do papel de Cristo, já tem nova aparição internacional encadeada: a série Westworld, com produção de J.J. Abrams.
Mesmo sem tratar pontualmente da história de Jesus, Ben-Hur reserva a Cristo momento chave. A luz de amor, com aprendizados, logicamente, tocou Santoro. ;Queria um Cristo mais misturado com as pessoas, mais dando exemplo do que pregando;, comentou. Ben-Hur, assinado pelo cazaque Timur Bekmambetov, chegará a cerca de 900 salas, no próximo dia 18.
Ponto a ponto / Rodrigo Santoro
O papel
Eu tinha a minha própria relação com o mítico, o icônico. Cresci ouvindo histórias do menino Jesus pelas minhas avós, uma, italiana católica, e a outra, espírita. Sempre tive muita referência e tive que me distanciar das imagens, para não esquecer que faria um personagem encarnado: um homem, o mais especial na face da Terra. Com a preparação, fui para vários lados: assisti a filmes, vi pinturas, li os Evangelhos.
Duas facetas
Temos o Jesus bíblico e tem um outro, histórico. Li o livro Zelota, de Reza Aslan. Nele, se tenta identificar como Jesus era, fisicamente. Há a imagem renascentista, o Jesus louro, alvo, mas, como ele era não é o mais importante: no filme, falamos de uma luz, de amor, de um coração, de valores, de ensinamentos ; este foi meu foco. A ideia foi humanizar, ao máximo possível, trazer um Jesus mais próximo das pessoas, mais misturado.
Descontruindo o papel
Buscamos Ele mais como exemplo e menos como pregador. O diretor quis fazer com a câmera na mão, quase um documental, com várias fases. Como aquela através de ações e menos dos discursos, num tom mais coloquial de falar. Uma coisa é ler ;amar seus inimigos;, falar, e acreditar, e, bem outra, é colocar na prática. É como, numa fechada de trânsito, o cara despertar teu instinto natural, humano, na linha do ;pô, por que você fez isso comigo?;. Vão te machucar, você se defende. Como dar a outra face? Como se trabalhar uma argumentação interna e transmutar, exalando amor para essa pessoa? Convido vocês a tentarem.
;Escola minha;
Li que William Wyler (diretor do Ben-Hur clássico) não quis correr o risco de expôr mais o Jesus, pela imagem no inconsciente coletivo muito forte. Daí, ele ter optado por tocar uma música e colocar poucas imagens, sendo emocionante, do mesmo jeito. Já tinha sido convidado para fazer o personagem, na Paixão de Cristo, e não pude fazer. É um personagem absolutamente incomparável. Com o novo convite, fiquei mexido, fiquei em dúvida, e até receoso. Mas fiz, conscientemente, uma escolha por mim.
Religiosidade
Se fiquei mais religioso? Não. Sempre estive em contato com a minha espiritualidade. Cresci escutando histórias do menino Jesus, dos lados católicos e espíritas: sempre trabalhei minha espiritualidade. A experiência sempre te transforma. No caso de Jesus Cristo, se eu puder ter o vislumbre de uma, sei lá, uma mínima fração do que foi o coração dele, do que foram os valores, eu já poderei reescrever a minha vida, a minha sensibilidade, eu já posso plantar essa semente. Quando você sente, fica marcado, fica uma memória.
Mudanças
Tento ser uma pessoa melhor, a cada dia; quero evoluir e eu acho que a chave para isso são as pessoas que estão a nossa volta, no dia a dia. São as interações, e as aceitações; é isso que te ensina. O próprio Dalai Lama já declarou que tem constante trabalho. Não é que ele acorde zen, que ele encontrou a iluminação. É um trabalho constante. Ficou em mim, um ;vamos à luta, vamos arregaçar as mangas;, para uma transformação interna, em busca de uma pessoa melhor. Quero evoluir, ficar melhor para os outros e para mim. Durante o tempo que filmei em Matera (Itália), nunca me senti tão bem na minha vida, nunca me senti tão em paz.
300, o filme
Tive um choque com o 300 (dirigido por Zack Snyder), mas o choque foi porque, quando eu filmei, eu vivi com paredes azuis e verdes, não havia nada. Eu falava com uma fita crepe (risos), eu não com pessoas. Foi uma experiência extremamente solitária, um desafio assim de outro planeta. Eu estava digerindo. Foi uma feijoada das pesadas que eu fiquei com aquilo remoendo (risos).
Na Sessão da tarde
Se há deslumbre e expectativas, com Hollywood? Sinceramente, eu sempre olho para o que eu estou fazendo. Alguém me perguntou: como é fazer um longa com o Schwarzenegger? Houve, sim, a sensação de que eu estava na Sessão da tarde. É uma coisa estranha você falar, caramba: ;É o Conan, é o Exterminador!”. Ele fez parte do meu imaginário: ele era o Conan, numa época em que nem todo mundo era saradão. Na época, ele era sobre-humano, ele era uma entidade gigante (risos). Contracenar com ele, eu não chamaria de deslumbre, chamaria de meu erê falando (risos): ;Uau, que coisa doida, é o Conan!”. Mas procuro focar mesmo, me conectar com o que eu tô fazendo, porque há muita distração à sua volta. Aplico algo do budismo, tipo ;você foi promovido; mas não fique nisso, não se perca naquilo;. Procuro me equilibrar. Pratico ioga, para isso. É saúde, para mim.
J.J. Abrams
Ele (produtor da série Westworld, ainda por estrear, com Santoro) é um cara genial, um visionário extremamente inteligente. Você sente que ele realmente está num lugar diferente. É um dos caras mais impressionantes com quem já trabalhei ou conheci. Estive, rapidamente, com ele, quando fiz Lost, e ele era produtor. Ele não é hermético: enxerga as coisas de uma forma muito particular e interessante. Eu, que já era fã, agora tô muito mais, porque eu tive contato. No Westworld, tive uma experiência pra lá de incrível. Se eu puder, quero trabalhar muito ainda com o J.J. Ele é muito tranquilo, está ali no set, falando com todo mundo. É um cara jovem, simples, humilde. Só tenho coisas boas pra falar dele.
O repórter viajou a convite da Paramount.