"Sou uma máquina de escrever, com algum uso, mas ainda em bom estado de conservação;, gostava de se autodefinir Rubem Braga. Ao longo de seis décadas de lida jornalística, escreveu cerca de 15 mil crônicas. Sempre se esmerou em construir a imagem de jornalista distraído preocupado apenas com passarinhos, nuvens, paisagens, amizades e amores fugazes. Mas, como diria Paulo Francis, atenção, massas, riam, isso é uma ironia. É isso que se pode depreender da leitura dos três volumes da preciosa caixa de inéditos de Braga (Ed. Autêntica): Os segredos todos de Djanira e outras crônicas sobre arte, Os moços cantam e outras crônicas sobre música e Bilhete a um candidato e outras crônicas sobre política brasileira.
Embora venham sob o título de crônicas, na verdade, essa vertente revela facetas inusitadas ou esquecidas da produção de Braga. Ele era, essencialmente, um cronista. Mas dentro do cronista havia o amante distraído das artes, o apreciador atilado da música e o observador político agudo. Sob a rubrica da crônica, Braga mostra o múltiplo talento na condição de autor de perfis, comentários, críticas. Jamais assumiu a condição de crítico de arte, mas falava com conhecimento, um conhecimento adquirido de uma intensa e amorosa relação com a pintura: ;Quando o jogo da vida me cansa, é a pintura que me apazigua e me faz sonhar. Sou, entretanto, um viciado quase grosseiro e me culpo de não ter nunca afinado melhor essa regular sensibilidade que nasceu comigo. Apenas sei que, de algum modo, já aprendi a ver, pois me espanto com o gesto rudimental de algum amigo menos interessado em pintura;.
Não considerava que tivesse vocação para crítico e se colocava na posição de um apreciador distraído, sem responsabilidade, que apenas para para ver melhor aquilo de que gosta mais, sem querer julgar, apenas buscando o seu prazer: ;Mas quando leio uma página de Venturi, por exemplo, sobre algum quadro que conheço e amo, sinto-me invejoso e humilde, porque vejo que ele sabe amá-lo melhor que eu, exatamente como se ele tivesse notado um detalhe lindo da mulher que eu amo, um detalhe que eu nunca tivesse reparado. A boa crítica de arte, o que é, senão um ato de amor?;
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