Há algo bastante em comum entre o escultor francês Auguste Rodin e as ideias que nortearam Lucio Costa na concepção do plano urbanístico de Brasília. Quem defende essa aproximação é o curador Marcus Lontra, responsável pela exposição Rodin ; O despertar modernista, em cartaz na galeria do Espaço Cultural Marcantonio Vilaça, no Tribunal de Contras da União (TCU). ;Esse pensamento urbanístico de uma cidade ampla, com circulações e trajetos, tem tudo a ver com a presença do Rodin;, garante. ;Quando o barão de Haussmann abre, em Paris, os grandes boulevards, ele abre espaço para colocar os grandes monumentos. Essa ideia determina todo o pensamento urbanístico do Ocidente. A partir dessa ideia, abre-se espaço para Rodin. E Brasília é a apoteose desse tipo de pensamento.; O artista é considerado o escultor da Terceira República (1870-1040), época em que o Barão Haussmann abriu as grandes avenidas em Paris e encomendou obras públicas a vários artistas da geração do escultor.
A exposição reúne 14 esculturas que, na visão do curador, permitem o contato do público com obras referenciais da produção do artista. Das obras selecionadas, 10 são réplicas autorizadas pelo Museu Rodin, de Paris, e pertencem à Vallourec, uma multinacional de origem francesa do ramo da siderurgia. ;Assim pessoas podem ter contato com obras referenciais, como O pensador e coisas clássicas, que estão colocadas na entrada;, avisa Lontra. Ele decidiu dar destaque às réplicas com a intenção de transformá-las em uma preliminar da exposição. Entre elas, estão dois clássicos do artista, O beijo e O pensador.
As outras quatro esculturas, todas originais, vêm do acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, que comprou as peças do museu francês. A instituição paulistana tem 10 obras de Rodin adquiridas ao longo das últimas duas décadas. Entre as obras expostas em Brasília, estão O gênio do repouso eterno, Torso masculino e Afrodite, peças reveladoras da importância atribuída ao corpo na arte de Rodin. A obsessão do francês pelos contornos humanos era também filosófica: numa mesma peça, ele queria ser capaz de concentrar tanto o ideal antigo e romântico de beleza quanto os mistérios da própria natureza humana.
Reproduzir a perfeição física, mas sem deixar escapar as emoções inerentes à condição humana era uma das buscas do escultor. Profundamente influenciado pela escultura renascentista, especialmente a de Michelangelo, Rodin dava especial importância ao movimento. ;Ele começa a ter consciência da relevância de seu trabalho quando vai à Itália e vê Michelangelo. O precursor da escultura moderna é um cara que vai buscar as bases em Michelangelo;, explica o curador. No entanto, o pai da escultura moderna não se rende aos parâmetros tradicionais de representação dos corpos e, para se concentrar no movimento de um tronco, ele pode excluir os detalhes e distrações, como cabeças e membros. ;Essas esculturas são inovadoras e, ao mesmo tempo, têm um diálogo com a tradição. Procuro, por isso, associar com Brasília, uma cidade moderna, mas que tem um diálogo com a tradição barroca;, garante Lontra.
Fotografia
Além das esculturas, o curador selecionou um lote de 36 fotografias, também da Pinacoteca. Em algumas imagens, o escultor toma cerveja ou trabalha no ateliê. Em outras, Rodin interfere com desenhos a lápis. ;As fotos mostram bem uma figura do seu tempo;, diz Lontra. ;Acho que o desenho é uma coisa muito forte. O advento fotográfico tinha quarenta anos e já havia artistas trabalhando em cima da fotografia como definidora de metodologia de trabalho. Quando vi esse material, fiquei deslumbrado.;
Rodin foi um grande colecionador de fotografias e constituiu uma coleção de quase 7 mil imagens. Entre elas, há um pouco de tudo: registros de modelos, paisagens arquitetura e as próprias esculturas. Além, é claro, das imagens documentais de ateliê. O artista também encomendava a fotógrafos o registro das esculturas durante as exposições e, frequentemente, costumava retocar as imagens que retratavam suas obras. Era uma forma de documentar o próprio processo e o resultado foi um material precioso, capaz de revelar muito sobre o método de trabalho do artista.
Exposição polêmica
A exposição das obras de Rodin foi alvo de polêmica quando o conselho curador do Espaço Marcantonio Vilaca renunciou. Formado por Marília Panitz, Gê Orthof, Renata Azambuja, Lucia Flecha de Lima e Pedro Gordilho, o conselho havia rejeitado a exposição, mas ela acabou entrando para a programação depois de o TCU cancelar a pauta programada para o segundo semestre por falta de verbas. A mostra foi apontada pelos curadores como inadequada para um espaço dedicado à arte contemporânea.
Rodin ; O Despertar Modernista
Curadoria de Marcus de Lontra Costa. Visitação até 5 de novembro, de terça-feira a sábado, das 9h às 19h, no Espaço Cultural Marcantonio Vilaça (Tribunal de Contas da União ; SAFS, Quadra 4, Lote 01)
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