Diversão e Arte

João Doederlein e jovens autores criam poesia sob medida para o Instagram

Escritores utilizam rede social para disseminar uma produção autoral, moderna e, diferente dos princípios imagéticos que norteiam a rede social, com ênfase nas palavras

Rebeca Oliveira
postado em 31/08/2016 07:00

João Doederlein tem conta no Instagram onde publica textos curtos

Transbordar. No dicionário, verbo que significa ;ultrapassar as bordas ou margens. Experimentar ou manifestar em excesso;. Na definição do escritor brasiliense João Doederlein, é ;não caber em si mesmo. É ser piscina em dias de chuva. Quando um co(r)po é pequeno demais para a própria alma. É o que acontece quando alguém mergulha (de verdade) na gente. É a teimosia de querer você comigo até mesmo em dias difíceis demais. É você dando um jeitinho de caber nós dois na mesma vida.;

Aos 20 anos e com uma conta no Instagram batizada de Aka Poeta, Doederlein deu novo significado a essa e outras palavras. Em uma rede social com postagens que, em sua maioria, são pontuadas pela autopromoção, João prega uma nova linguagem por meio de uma persona que desconstrói o sentido de diversos termos. A ideia surgiu em março e rapidamente viralizou. Em menos de cinco meses, o estudante de publicidade angariou mais de 143 mil seguidores.
[SAIBAMAIS]
A fórmula? Não se limitar a definição de verbos, substantivos ou adjetivos já conhecidos do público. Contemporâneas, palavras como bad (mal, em tradução do inglês) refletem a nova forma com que os jovens se comunicam na web ; e fora dela: ;É a tristeza do século 21. Roupagem nova da melancolia. É o que tiro que mata minha vontade. É aquilo que de manhã me prende na cama por algumas horas a mais;, escreveu, sobre o termo. Um layout clean e de fácil assimilação acompanham os textos curtos e precisos.

Para João, a escrita praticada por ele se encaixa como uma nova literatura de entretenimento. As referências, então, em vez de poetas centenários, recaem principalmente sobre a música, com linguagem ritmada que muito se encaixa nos curtos caracteres que pedem as redes sociais. ;Chico Buarque é um gênio da escrita. Em Geni e o Zepelim, com versos como ;entregou-se a tal amante como quem dá-se ao carrasco;, narrou de um jeito extremamente sutil e com carga literária algo trágico como um estupro;, avalia.

Com 12 livros inéditos escritos (com temática que vão de cordel a contos eróticos), Doederlein pretende, em breve, publicá-los no formato tradicional. Tem sido uma constante essa reversão no mercado editorial. Cada vez mais, editoras importam esses jovens talentos da internet e lançam obras que, em parte, se concentram em uma compilação das mais populares postagens. Num ciclo virtuoso, esses escritores se utilizam da web como principal ferramenta de divulgação da obra, expandindo os limites da literatura contemporânea.

Os poemas datilografados de Zack Magiezi surgem como bom exemplo. Cerca de 500 mil seguidores no Instagram e outros 370 mil no Facebook acompanham as postagens sensíveis do paulistano, número que inspirou a Bertrand Brasil a publicar uma coletânea com 200 textos extraídos de posts nas redes. Assim como João Doederlein, não é raro ver Magiezi brincar com neologismos na série ;Notas sobre ela; (que em breve vai virar o segundo livro do artista) e nas crônicas que publica, que tem como ponto central os contraditórios, pulsantes e viscerais sentimentos humanos. Mais uma vez, a palavra ganha status de celebridade. Graficamente, o diferencial de Zack são imagens feitas em máquina de escrever, característica dá um ar retrô e intimista as publicações.

Entre Millôr e a web

Brasiliense, Saulo Pessato também brinca com as palavras em conta no Instagram
Na conta Poesia reclamada, o escritor brasiliense Saulo Pessato também brinca com a língua portuguesa no Instagram e também no Facebook. No total, é acompanhado por quase 340 mil pessoas. A página começou como uma brincadeira despretensiosa, um ;miniblog com bobagens diárias; no Twitter e, cinco anos depois, levou-o a publicação do livro, Poesia reclamada no jardim das borboletas, lançado esse mês em sistema de crowdfunding.

Professor de literatura radicado em São Paulo, Saulo lista Manuel Bandeira, Manoel de Barros, Leminski e Millôr Fernandes como eternas referências. O último frasista e cronista, aliás, é lembrado sobretudo pelo caráter gráfico de parte de sua obra, item constante na construção de perfis como o de Pessato. ;Os anos estudando (e ensinando) os clássicos estimularam o gosto pelo lapidar poético; mas outros anos produzindo poemas para a internet me levaram a ritmos mais soltos em uma linguagem mais simples;, explica.

;A síntese e a urgência imagética das redes sociais acabam sendo algo estimulante e desafiador para o fazer poético;, continua o artista, que tem por lema atingir, também, ;o leitor refinado de literatura;. A média de postagens é de quatro textos diários, em publicações que, não necessariamente, vão ao encontro dos anseios de seus milhares de seguidores. ;A grande maioria dos leitores de páginas de poesias da internet está à procura de mensagens pessoais com teor otimista ou de autoconhecimento. Meus anseios criativos não obedecem a essa regra. Escrevo sobre tudo e frequentemente alguns teores poéticos acabam ;espantando; seguidores que não sabem o que é poesia;, enfatiza.

PARA LER

Estranherismo

De Zack Magiezi. Bertrand Brasil, 224 páginas. Preço: R$ 34,90.

Poesia reclamada no jardim das borboletas
De Saulo Pessato. Independente, 152 páginas. Preço: R$ 35.

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