O festival Cena Contemporânea chega à sua segunda semana com exibição de espetáculos nacionais e internacionais em palcos no Distrito Federal até 4 de setembro. Das quatro peças de hoje, três estão estreando na programação do Cena. São elas: EX-Que reinventem los actores, Fio a fio e Para Mahal.
Terceiro espetáculo do que deveria ser uma pentalogia encomendada pelo Théâtre Quartiers d;Ivry, na França, EX-Que reinventem los actores é, essencialmente, um texto político. Como em boa parte da obra do uruguaio Gabriel Calderón, que traz a Brasília o seu grupo Complot para participar do festival, as metáforas têm lugar especial como instrumento de reflexão social.
Dois tempos pautam a peça, cujo título Calderón tirou de uma reflexão do Pepe Mujica, o ex-presidente uruguaio. Mujica dizia que os anos sombrios da ditadura somente poderiam ser superados quando todos os atores daquele drama, de ditadores a guerrilheiros, fossem reinventados. Com idas e vindas que levam o público a passear pelos tempos do regime militar e voltar aos dias de hoje constantemente, o diretor e dramaturgo, um dos mais celebrados do teatro contemporâneo uruguaio, convida o espectador a juntar pontas de uma história trágica e traumática.
A peça trata de uma memória coletiva, embora ele ache limitado o alcance do palco no quesito memória. ;De certa maneira, o teatro se libertou dessa responsabilidade. Não creio que tenha nem a responsabilidade nem que seja uma boa ferramenta da construção do coletivo, mas é uma ferramenta de perturbação. Se um país não quer recordar algo, o teatro pode estar aí para mostrar. Mas não para a construção da memória e sim para a desconstrução do esquecimento, o que não é a mesma coisa;, diz.
A ditadura é um dos temas de EX- Que reinventem los actores, no qual Calderón intercala cenas do presente e do passado sempre com a intenção de fazer perguntas sem nunca respondê-las. ;Nós, como atores, fazemos muitas perguntas relacionadas a nossa responsabilidade como cidadãos. Sentimos a responsabilidade de fazer perguntas incômodas e sentimos que são incômodas porque as vivemos no dia a dia;, explica o diretor. ;Mas se há respostas, acho que são pessoais, não coletivas.; Já os traumas da ditadura, Calderón acredita, não podem nem devem ser superados e, muito menos, esquecidos. É preciso aprender a viver com eles. O verdadeiro desafio, diz o uruguaio, está em entender e compreender as lições dos atos cometidos.
Dramaturgia aberta
A obra Para Mahal é uma nova montagem de um texto que já havia sido feito pelo Coletivo Tombado (associação de artistas do Distrito Federal) em 2011, sob o título de Para onde vão os trens?, com base no livro Tu não te moves de ti, da autora Hilda Hilst. ;Os dois textos têm forte inspiração na obra de Hilda Hilst. É um espetáculo free jazz cênico musical, que vai do erudito ao brega;, explica o diretor Márcio Menezes.
A história é dividida em três novelas: Tadeu da razão, sobre um bem-sucedido presidente de uma empresa que começa a questionar seus valores; Matamoros da fantasia sobre Maria Matamoros, que, ao encontrar um homem-anjo, descobre sentimentos de posse e ciúme; e Axelrod de proporção, que trata de um homem e suas dimensões múltiplas de relações com o pai, o divino e os dogmas.
As tramas são como um norte para atores, que, na verdade, trabalham em uma dramaturgia aberta, em que a improvisação é essencial. ;Eles não sabem bem o que vão dizer, quando vão dizer... É um jogo aberto entre os atores. Eles contarão uma história, mas que pode sofrer interferências de fora, dos músicos, dos videomakers, do público, que pode interagir ao vivo ou pela internet;, afirma. Dessa forma, cada encenação de Para Mahal é única, sob a atuação de Alexandra Medeiros, Camila Guerra, Tati Ramos, André Araújo, André Reis e Mateus Ferrari.
A dramaturgia aberta ainda tem como proposta não ter um espaço físico determinante. Até por isso a peça já teve encenações em estações de Metrô, na Rodoviária e, agora, será apresentada no Barco Flutuante Laguna, no Setor de Clubes Sul. ;A questão do espaço modifica o nosso olhar em relação a cena. Nós já tínhamos esse foco do espaço volátil e a obra de Hilda fala da imaterialidade do corpo e da materialidade do pensamento. Fala muito sobre ideias que se concretizam ao mesmo tempo que estabelece um território de incertezas;, completa o diretor.
Outro estreante da noite, Fio a fio nasceu do improviso, mas também da constatação da passagem do tempo por parte dos bailarinos Giselle Rodrigues, Édi Oliveira e Kênia Dias. No palco, um casal reflete sobre o envelhecimento. A dança e a linguagem gestual e dos movimentos predominam no espetáculo, mas há algum texto falado que complementa a narrativa. ;O espetáculo fala muito de envelhecimento como uma coisa de perdas, mas também de ganhos;, revela Giselle. ;Fala do que se perde em função da perda da fisicalidade e também do que se ganha em termos de aceitar coisas na vida.;
Programação de Hoje
Ex-Que reinventem los actores (Uruguai)
Às 19h, no Teatro da Caixa Cultural (SBS, Qd. 4, Lt. 3/4; 3206-9448). Sinopse: Família vai e vem entre o passado e o presente em texto que questiona a construção da memória. Ingressos a R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada), à venda no local, uma hora antes da apresentação. Não recomendado para menores de 12 anos.
O filho (SP)
Às 20h, no Galpão Taguatinga. Sinopse: Inspirado em Carta ao pai, escrita por Franz Kafka em 1919, endereçada a seu pai e nunca enviada. Um documento vivo da relação conflituosa entre os dois. Na encenação, o corrosivo acúmulo de raiva e frustração é expandido quando o filho também se torna pai. Ingressos a R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada). Não recomendado para menores de 18 anos.
Fio a fio (DF)
Às 21h, no Teatro Sesc Garagem (713/913 Sul, Lt. G; 3445-4401). Sinopse: Espetáculo de dança que aborda, poeticamente, o período do envelhecimento. O que representa viver com um corpo que perde capacidades físicas, mas ganha sabedoria com o acúmulo de experiências vividas? Ingressos a R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada). Classificação indicativa livre.
Para Mahal (DF)
Às 23h, no Barco Laguna Flutuante (SCES ; próximo a Ponte JK). Sinopse: Inspirado na obra Tu não te moves de ti, de Hilda Hilst, composta de três novelas: Tadeu da Razão, Matamoros da Fantasia e Axelrod de Proporção. Ingressos a R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada). Não recomendado para menores de 16 anos.