Diversão e Arte

Correio entrevista Gui Campos, o diretor brasiliense que arrebatou Gramado

Com o amigo de infância João Paulo Procópio, agitou os palcos do evento com um protesto durante o festival de cinema

Ricardo Daehn
postado em 11/09/2016 07:38
Com o amigo de infância João Paulo Procópio, agitou os palcos do evento com um protesto durante o festival de cinema
Mal terminou de colher os frutos com o polêmico curta-metragem
Rosinha ; que rendeu três prêmios Kikito e o Prêmio Aquisição do Canal Brasil, no recente Festival de Cinema de Gramado ;, o diretor brasiliense Gui Campos já anuncia os novos projetos: a série A escola dos mistérios (com direção geral de Ana Cristina Costa e Silva) e um curta que codirige em torno da figura do maestro Levino de Alcântara. Aos 36 anos, o cineasta, formado em comunicação pela Universidade de Brasília (UnB) e com especializações no audiovisual, em Buenos Aires e Madri, ainda tem tempo para ser guitarrista da banda Saci Tropical Groove; tudo sem deixar de lado a paixão ambientalista e os mergulhos em cachoeiras dos arredores de Brasília. Sócio fundador da Lumiô Filmes (selo para talentos como Érico Cazarré e Santiago Dellape), com sede na capital, Campos não se diz Guilherme ; quer mesmo é ser Gui. ;Não quero ser confundido com um deputado curitibano;, brinca. Política entretanto não foge ao cardápio do cineasta. Com o amigo de infância J. Procópio, agitou os palcos de Gramado, com um protesto durante o festival de cinema, há uma semana. No local, aliás, há uma década, Campos viu premiado Lauro Montana, o ator dele para o curta Sequestramos Augusto César. Com projeção garantida na Mostra Brasília do 49; Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o curta Rosinha, segue a trilha de filme inscrito na seletiva do Oscar (chancelado pela vitória no festival espanhol de Huesca). Em outubro, Rosinha estará em Biarritz (França), marcando avanços para os 15 anos de carreira do cineasta que, na fita, rompe padrões da terceira idade. Produto da fértil imaginação do diretor que fabulou a vida do avô, interiorano de Minas Gerais, sempre preocupado com o diz que diz e com trovinhas criadas para o próprio epitáfio.


Qual a tua base para o cinema?
Cresci numa família sem muita cultura de cinema, vendo filmes de Hollywood. Depois é que assisti aos clássicos, aos filmes de arte ; sem entender direito, achando lento, no começo. Arte não é muito fácil, num primeiro momento, mas, quando se dispõe a entender um pouco mais, a entrar nisso, ganhamos muito como ser humano. A arte nos propicia experimentar uma realidade que não é a nossa. Por duas horas de projeção, nós somos o outro (personagem). O cinema, como linguagem, é infinito. Hollywood é uma delas ; a receita de bolo que faz vender.

O Estado tem papel satisfatório, no cinema brasileiro?
Acho que o filme com retorno de público não precisa de dinheiro do Estado ; ele se paga. Os filmes que experimentam linguagem, que falam coisas nem tão agradáveis para o grande público, têm que existir. Eles precisam da ajuda do governo, é uma tarefa cara, mas que gera muito emprego também, por outro lado. Os créditos de qualquer fita mostram isso. A longo prazo, para um país, cinema é um investimento. Os americanos sabem disso: e, há muito tempo, vendem o país deles assim e atraem turistas. Por que temos turistas no Rio de Janeiro? Eles viram imagens do Rio, viram num filme, numa foto, escutaram bossa nova, viram imagens do carnaval. A cultura é o que vende a gente.

Quais os méritos dos seus filmes anteriores e que carreira percebe construir?
Na mostra 16mm do Festival de Brasília, pela Mostra Brasília, o Sequestramos Augusto César, meu primeiro curta, recebeu prêmios da Câmara Legislativa como melhor filme, e recebemos menção honrosa pela utilização da câmera. Com Imperfeito (2011), filmamos, na 308 Sul, e na 105 Sul, uma história de amor não resolvida, um filme romântico e clássico que venceu Candango de melhor fotografia. Já, o feito na Espanha, 2 %2b 2 = 5 (2008) foi um exercício do mestrado em que falei de guerra. Morava em Malasaña, centro palco da guerra civil, e, andando pelas ruas, via a história e o 2 de maio em que espanhóis comemoram a expulsão da tropa de Napoleão. Não temos a tradição das guerras no Brasil, e resolvi animar o quadro Guernica, misturado com animação. Mostrava o museu de arte Reina Sofia, com dois seguranças conversando na porta, e trazendo legendas, como se discutissem filosofia (risos). É um curta meio experimental, e ele até deixou de entrar em festivais por ser ;videoarte; (risos).

Você tem uma relação forte com a música brasiliense. Como percebe a cena atual?
Tenho ainda em finalização um documentário feito com David Alves Matos sobre o maestro Levino de Alcântara, fundador da Escola de Música. Há anos, conhecemos ele numa homenagem: é um personagem superimportante para a história da cidade. Eu sou músico: sou aluno da Escola de Música de Brasília e ex-aluno do Clube do Choro de Brasília. Gosto da falta de compromisso com o tradicionalismo, uma coisa legal, em Brasília. Moramos numa cidade de quase 60 anos em que tentamos construir nossa cultura agora. Trazemos o novo. Uma pena que haja certa relutância da cidade em aceitar a música daqui, então muitos artistas saem da capital. Temos uma lei do silêncio que tem fechado bares, vem fechando espaços para que os músicos se apresentem. Pessoas de reconhecimento saem, como o Gabriel Grossi, o Hamilton de Holanda. Mas existem monstros como o Dudu Maia ; com uma projeção internacional ; que ficaram na cidade. A projeção nacional está fora da cidade.

Você demonstrou insatisfação no palco do Festival de Gramado. O que espera do nosso cenário político?
Em Gramado, fizemos uma manifestação que deu bastante repercussão. Foi um acordo entre os curta-metragistas todos: quem ganhasse leria a carta que foi redigida em grupo. A gente vive um momento político muito complicado. A gente vê umas forças conservadoras que, desde o final da ditadura, estavam escondidas, por causa das Diretas já.! Nasci nessa época, minha primeira lembrança política, aos 5 anos, foi com a morte do Tancredo; meus pais chorando. Eu cresci no Brasil democrático. A gente acha que o Brasil é um país com instituições sólidas, mas este momento me mostra o contrário. Não há um Judiciário imparcial. Para qualquer pessoa, com um mínimo de visão crítica, o processo de impeachment foi um absurdo e algo mal contado, por terem o apoio da grande imprensa. Não houve o cuidado sequer de trazer uma mínima roupagem de legalidade. Os meio de comunicação de fora têm reconhecido o que aconteceu como um golpe.

Você defende partido?
Não! Mas como tiram uma presidente por um crime que, até ontem, não era crime?! E, depois que tiram, dois dias depois, já não é mais crime! Como colocam um presidente acusado de tantas denúncias sérias e que também assinou os papéis das pedaladas. Nem tenho nada a favor da Dilma ou do PT. Ao contrário, sou ambientalista e fui oposição ao governo dela. Mas a traição do PMDB, à la House of cards, foi muito escandalosa para a gente aceitar numa boa. As forças conservadoras estão botando as manguinhas de fora de uma forma que acho muito perigosa para o país. Não demora, vai se ter capa de jornal novamente publicada com receita de bolo, por não podermos mais falar. O risco é real. Enquanto resta voz, tem que falar, lutar, ir para a rua, tem que fazer greve, e a sociedade deve se movimentar. Hoje a gente tem um presidente ilegítimo no país.

Os excluídos têm expressão exagerada na representação audiovisual, na sua opinião?
Enquanto as pessoas forem excluídas, tem que se bater nessa tecla. O Eduardo Galeano diz: ;Pra que serve a utopia, se a gente está olhando o horizonte e, a cada passo que damos, ele também se afasta, e sabemos que nunca chegaremos nele? Mas é justamente isso que faz a gente caminhar;. Precisamos falar disso: os gays seguem sendo mortos. Com as forças conservadoras em ação, caem os discursos de que não somos racistas, não somos homofóbicos. Somos governados por homens brancos ; há uma luta para muito tempo, ainda. Devemos muito aos negros que continuam segregados, sem representação política. Em Madri, morei ao lado do bairro gay (Chueca) e lá, a cada três passos, você vê um casal gay, de mãos dadas e dando beijos, e as senhorinhas de idade passando, sem estar nem aí. Eles já estão passos à frente, na questão de achar normal e aceitar a liberdade do outro. Rosinha é um filme, por sinal, que fala de amor e de liberdade. Fala das pessoas que querem ser felizes e lutando. Gente querer cercear essa vontade do outro, seguindo códigos morais e religiosos que só dizem respeito a nossas crenças, acho pobre.

Você mora perto do Córrego do Urubu, ao lado do Varjão, como este cenário influencia, nos seus filmes? Consegue ter que visão de periferia?
A gente, como artista, tem que falar do nosso universo. Não sou da periferia, cresci no Plano Piloto. Meus pais são funcionários públicos, então não sou a periferia que sofre por ser negra, mas nem a grande elite. Não sofro: sou homem, branco de olho claro. As questões da periferia me pegam forte, como ser humano e que se preocupa com o outro. O outro estar bem significa que a gente estará bem. A elite brasileira peca é nisso: de querer ter a empregada em casa às sete da manhã, mas sem o metrô chegar até a casa dela. A segurança, na Europa, vem de coisas como o lixeiro lá ganhar dois mil euros. A diferença social obriga às elites a viverem nas prisões dos condomínios e dos carros blindados.

Voltando à periferia...
O cinema deve dar voz a quem não tem. Gosto disso. Já ouvi, nesse campo, curadores dos grandes festivais internacionais dizerem que o Adirley Queirós (de Branco sai, preto fica) é um dos grandes nomes do cinema latino-americano contemporâneo. Ele é conhecido por todos do circuito de arte nos Estados Unidos e na Europa. Ele faz um trabalho muito relevante. O brasileiro, com a síndrome de vira-lata, de achar que bonito é só o que vem de Miami, não consegue perceber. Há proximidade, na verdade, da gente com a Argentina, com a Colômbia, com o Uruguai, o Paraguai. Os festivais de cinema me deram esta visão. Se dermos as mãos, chegaremos mais longe.

Qual a tua relação com a capital?
Minha relação com Brasília é de amor e ódio. Cresci aqui, que é minha casa ; gosto muito de viajar. Quanto mais viajamos, mais entendemos a nossa cidade, a nossa sociedade. Saio, passo tempo fora, e algo me faz voltar: pode ser uma cachoeira, vontade de ter este horizonte; de onde estamos, podemos ver o céu, as árvores. Tenho a curiosidade de conhecer o mundo, e depois das viagens, quero dormir na minha cama, de novo. E minha cama é Brasília.

Você já fez filme de sequestro, ménage à trois. Qual a maior loucura que já cometeu na vida?
Talvez eu coloque nos meus filmes coisas que não tenha coragem de fazer (risos). A gente vai um pouco ; e quando vai demais ; se dá conta de que ainda tem um pouquinho de sangue mineiro que não me deixa tanto ; ;calma, aí; (risos). Acho importante chegar nos limites do que é loucura demais, pra não ficar preso em caretice, mas também com respeito à gente. Nosso grande desafio é encontrar quem somos. Precisamos deixar de ouvir o que os outros falam, e tentar chegar aos limites. Não saberia a minha maior loucura feita, até porque, depois de feita, não é mais loucura ; isso é normal, é legal, e tá tudo certo.

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