Quatro exposições ocupam os espaços da cidade a partir de hoje. Três trazem artistas de fora e uma apresenta uma série de retratos de fotógrafo da cidade. Todas podem ser visitadas gratuitamente e oferecem ao público a oportunidade de conhecer um pouco da produção contemporânea brasileira, mas também de descobrir momentos da história da arte nacional. Veja o que cada mostra tem a oferecer.
Encanto pela conduta
Foi um certo fascínio pelos códigos de honra o responsável por levar Douglas Xamã aos gângsters. O tatuador, DJ e artista paulista sempre ficou impressionado pela maneira como chefes de máfias e organizações criminosas estabeleciam (e seguiam) condutas relacionadas à honra e lealdade como forma de controle dos negócios. A admiração levou o artista a pintar retratos de mafiosos. Fez o primeiro em 2013, a pedidos, para uma exposição. No ano seguinte, fez mais alguns e este ano, a coleção chegou às 11 pinturas apresentadas na exposição Santos da rua, na Galeria Ponto.
Xamã não retrata apenas bandidos fictícios. Se filmes e livros forneceram um combustível poderoso para a pesquisa, a vida real tratou de completar o serviço. De filmes como O poderoso chefão e Senhores do crime, ele trouxe Virgil Sollozzo e Nicolai Luzhin. Do mundo real, pesquisou figuras como John Gotti, chefão da Cosa Nostra condenado à prisão perpétua nos anos 1990, e o bicheiro brasileiro Castor de Andrade, financiador do Bangu Atlético Clube e padrinho da escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel. Andrade foi preso em 1994 e morreu três anos depois.
O artista admira as figuras retratadas, mas garante que não faz apologia ao crime. ;O que me chamou mais a atenção foram condutas como disciplina, caráter e integridade, coisa que falta um pouco hoje;, acredita. ;São condutas, não quer dizer que eles são bons, ou maus. Eles têm honra, palavra com aquilo que pregam, por isso a dualidade. As pessoas podem falar `ah, mas o cara era um gângster criminoso`. Sim, mas ele tinha um pacto com a família dele, com os filhos, a esposa. Tem muito cara que não é assassino, nunca matou ninguém, mas encosta no balcão do bar, bebe uma pinga, chega em casa, chuta o cachorro e bate na mulher. Eu queria pensar exatamente sobre essa parada.;
Santos da rua
Exposição de Douglas Xamã. Visitação de segunda a sexta, das 9h às 19h, e sábado, das 14h às 18h, na Galeria Ponto (SCRN 710/711 Bl/D, Lj 23)
Arte que contesta
A arte de Raul Córdula sempre foi de contestação. Paraibano radicado em Olinda, o artista foi um dos nomes da arte pop brasileira e passou os últimos anos envolvido com a geometria, mas nunca abandonou, de fato, a figuração. Nela, encontra a retórica para se posicionar, criticar, questionar, homenagear e celebrar. Um pouco de tudo isso faz parte das 32 obras de Raul Córdula ; Antologia, em cartaz no Museu Nacional da República, exposição com curadoria de Wagner Barja.
Na mostra, entraram algumas obras simbólicas de Córdula, cuja linguagem tem a marca do hibridismo capaz de associar elementos tão diversos quanto geometria e grafite. Em Bandeira do ego (Made in PB), Córdula mistura símbolos da bandeira da Paraíba com imagens de lâminas de chumbo e perfurações de bala para fazer uma crítica atemporal, e em Mesopotâmia, ele desenha uma homenagem ao Recife. As obras da década de 1980 aparecem ao lado de trabalhos mais recentes, como Brigada da Hora, no qual homenageia Abelardo da Hora e faz parceria com os grafiteiros da Casa do cachorro preto. ;Eu gosto muito dos grafiteiros da minha terra;, avisa.
Para o artista, o conjunto de obras traz uma carga de contestação política que encontra eco na atualidade. Obras como a imagem do revólver engatilhado em meio a um esboço de bandeira do Brasil têm um sentido especial. ;Na obra, há uma sugestão de símbolos nacionais que, na verdade, não são. É uma sugestão da repressão que a gente está prestes a viver de novo. Vivi a ditadura exatamente em 1968 e a censura a partir do AI-5. Acho muito parecido com o que acontece agora;, diz o artista.
Raul Córdula ; Antologia
Exposição de Raul Córdula. De 15 a 16 de outubro, de terça a domingo, das 9h às 18h30, no Museu Nacional da República (Setor Cultural Sul, lote 2)
Interação e tecnologia
A coleção de Arte e Tecnologia do Itaú Cultural, uma das mais importantes do país, desembarca no Museu Nacional da República com um conjunto de obras nas quais a interação com o público é o destaque. Arte cibernética traz 10 obras das 17 que formam a coleção e faz um pequeno panorama da produção brasileira na área desde 1997, quando o Itaú Cultural começou a montar o acervo.
Marcos Cuzziol, um dos curadores da mostra, explica que a expressão arte e tecnologia não está entre as melhores para definir as obras. Qualquer produção artística só seria possível a partir de algum tipo de tecnologia, como tinta, no caso das mais antigas. Por isso a equipe do Itaú prefere falar em cibernética, termo também usado para definir a interação entre dois ou mais meios. Aqui, entram, inclusive, as interações entre seres humanos. ;Chegamos à conclusão, com ajuda de um cientista que estuda cibernética, que a interação era o que existia um pouco além do que seria possível sem a tecnologia atual;, explica o curador.
Entre as peças selecionadas estão algumas especialmente representativas do recorte proposto pela curadoria. Em Descendo a escada, ao mesmo tempo em que faz uma citação da pintura mais importante de Marcel Duchamp, Regina Silveira propõe perspectiva distante das tradicionais técnicas renascentistas para proporcionar ao visitante a sensação do movimento. Miguel Chevalier, francês pioneiro em arte digital e especialista em realidade virtual, criou a instalação Ultra-nature, uma sala na qual a simples presença do público provoca polinização e consequente mistura genética de uma série de plantas.
Arte cibernética ;
Coleção Itaú Cultural
Visitação até 4 de novembro, de terça a domingo, das 9h às 18h30, no Museu Nacional da República (Setor Cultural Sul, lote 2)
Retratos nada
convencionais
Depois de uma temporada em Paris em 2014, o fotógrafo Diego Bresani voltou ao Brasil com novas ideias. Refletiu e questionou o papel da fotografia antes de começar a mudar o próprio estilo. Os retratos, uma linguagem constante na trajetória de Bresani, passaram a ganhar novos contornos. Esse caminho fica claro na sequência Respiro ; Retratos 1.
São 10 anos de produção de retratos de artistas e pessoas ligadas ao teatro de Brasília, com curadoria de Matias Monteiro. ;Tenho experimentado fazer retratos sem necessariamente ter o rosto, trabalhando formas, a imagem se tornou mais pictórica, tem uma influência forte do expressionismo e do minimalismo;, avisa Bresani. Respiro tem imagens produzidas entre 1996 e 2016, sendo as mais recentes muito focadas na anatomia e no trabalho com a cor.
Respiro ; Retratos 1
Mostra fotográfica
Abertura amanhã, às 19h, na Galeria Athos Bulcão ( SCTN, Via N2, 1330, Anexo do Teatro Nacional Cláudio Santoro). Visitação até 16 de outubro, de segunda a sábado, das 12h às 19h, e domingo, das 12h às 17h
Entrevista: Raul Córdula
Seus trabalho são uma metáfora da cidade hoje?
Acho que sim. Mas a metáfora na minha poética. Do ponto de vista do realismo, não existe.
Que importância tem essa mescla da história recente na tua obra?
Tem muita importância. Eu sempre me reporto ao passado, um passado político, ou pelo menos, se não político, militante. Menos na parte geométrica, que é o final da exposição. É tudo uma triangulação, e triângulo certamente não massageia muito a retina, mas é um tema que eu sempre trabalhei com ele há muito tempo, desde os anos pesados.
Qual a importância do engajamento na arte? Ele tem força?
Na minha posição, eu não posso aquilatar. Mas há pessoas que ainda fazem arte engajada -- e digo ainda porque há uma certa crítica, nos chamam muito de ilustradores. Nossa ligação é com metáforas da realidade, porque a realidade pertence muito mais ao publicitário do que ao artista. Sempre que há oportunidades a gente trabalha nesse sentido.
Que arte é importante para você fazer hoje?
Na minha idade, vez ou outra pesco uma coisa que me interessa no que ja fiz e transformo e continuo experimentando, inventando situações onde a geometria sempre está presente, mas também desenho com minha gestualidade que é uma coisa característica de cada artista. Mas faço as coisas que sempre fiz depois que completei algumas décadas de criatividade.
No texto do curador, um dos objetivos do seu trabalho é atingir ideologias autoritárias. Quais seriam elas hoje?
Hoje, não tenho dúvida, é o neoliberalismo. Talvez eu seja um artista que pensa mais do que realiza obras: faço isso pensando, comparando, conversando, discutindo. Não há dúvida que existe um certo hermetismo, porque se eu fosse um artista descritivo seria bem diferente.
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