Diversão e Arte

Francês Emmanuel Carrère narra sonhos em livro de ficção científica

Em ensaio biográfico, o escritor narra o que viu quando sonhou com Philip K. Dick, um dos mais brilhantes autores do gênero

Gustavo Falleiros
postado em 01/10/2016 07:35

Philip Dick: o homem  imprevisível e suas feições em eterna mutação

Vamos supor que Philip K. Dick não tenha morrido em 1982. Que, em vez de ter sido sepultado no Colorado, no mesmo jazigo da irmã gêmea, tenha hibernado numa câmera criogênica. Ainda por hipótese, é chegada a hora de descongelá-lo. O que esse autor de ficção científica, considerado por muitos um visionário, teria a nos dizer? ;É, irmãozinhos, eu bem que avisei.; O vaticínio de um velho hippie.

Mas não. O homem era imprevisível. Suas feições mudavam a depender do ângulo, como bem observa Emmanuel Carr;re em Eu estou vivo e vocês estão mortos (Editora Aleph, 360 páginas). Publicado na França em 1993, o ensaio biográfico tem o mérito duplo de navegar sem medo as águas turvas de Dick e revelar muito do próprio Carr;re, um narrador sempre hábil. É preciso dizer ainda que o livro envelheceu bem. Ou melhor: só agora, a realidade alcançou certos aspectos previstos na obra do escritor americano.

[SAIBAMAIS]

Notório paranoico, Phil esquadrinhou todas as teorias da conspiração imagináveis. No laboratório da sua mente, era preciso desmascarar os falsos ídolos um a um, num trabalho retórico e dialético que facilmente descambava para o absurdo. Um exemplo significante: visado (de verdade) pelo teor subversivo de seus escritos, Dick se sentia perseguido por Richard Nixon em pessoa. O presidente republicano seria tão meticuloso no escrutínio da vida alheia que sua caça às bruxas só poderia significar uma coisa: no fundo, era um criptocomunista mancomunado com a URSS, porque os extremos tendem a se tocar. O yin vira yang.

Tudo bem para Dick, a não ser pelo fato de que, levada adiante essa lógica, ele próprio deveria ser um agente-duplo, a serviço do FBI. E essa ideia o assombrou por um tempo, confirma Carr;re. O trunfo do francês é não ridicularizar esses paradoxos. Ele abraça o léxico de Dick, bem como as vozes de seus maldisfarçados heterônimos, numa artesania textual que floresce à medida em que a saúde mental do biografado declina. Às vezes, permite-se compaixão, mas nada que o impeça de reconhecer os aspectos vis de seu herói, sobretudo no âmbito doméstico ; Dick envenenava todos os seus relacionamentos com um ciúme doentio.

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