Diversão e Arte

Daniel Galera lança o romance 'Meia-noite e vinte'

A obra confronta idealizações e realidade no reencontro de amigos que foram jovens nos anos 1990

Nahima Maciel
postado em 03/10/2016 08:42
Para Daniel,
Talvez Daniel Galera seja frequentemente associado a um autor de romances de geração porque se alimenta de sua própria geração. Nascido em julho de 1979 em São Paulo e criado em Porto Alegre, o escritor de 37 anos sempre se embrenha por personagens às voltas com conflitos geracionais típicos de quem virou adulto no final da década 1990. Sem medo de focar a narrativa nas emoções e no mundo interior, Galera virou ídolo de uma geração de jovens leitores. Tem uma pequena legião de fãs, tal qual Andrei, personagem de seu novo romance, Meia noite e vinte.

Andrei está morto quando o livro tem início, mas em torno dele gira a trama: um grupo de três adultos trintões que foram amigos na juventude se reúne após anos de afastamento. Ainda na faculdade, Antero, Aurora, Emiliano e o falecido Andrei viveram a experiência de publicar um fanzine online. Conviveram intensamente, foram mais que simplesmente amigos e, depois, cada um seguiu seu rumo. Ao se reencontrarem, acabam por confrontar a ideia que tinham de futuro com o que realmente se tornaram. E como sempre, há uma distância entre a idealização e a realidade.

Galera se inspirou na própria vivência para criar Meia noite e vinte. No final da década de 1990, ele mesmo era colunista do site CardosOnline, zine eletrônico que serviu de espaço para o surgimento de uma geração de escritores integrada por Clara Averbuck e Daniel Pellizzari. ;Uma das primeiras ideias a respeito do romance envolviam o interesse de pegar o final dos anos 1990 em Porto Alegre. Comecei a pensar em como poderia ser interessante transformar aquela época, aquela cena cultural, num tema para um romance;, conta. Embora se inspire na história do CardosOnline, o autor decidiu não fazer uma crônica factual ou biográfica. A semelhança entre a experiência de Galera e a dos personagens se resume à produção coletiva do zine. É apenas um pretexto para um reencontro capaz de colocar em questão o presente de cada protagonista a partir de vivências passadas.

Meia-noite e vinte é um livro mais dinâmico que Barba ensopada de sangue, o romance anterior de Galera. É mais curto e a voz narrativa alterna entre os personagens, o que resulta em várias perspectivas diferentes para uma mesma experiência. Há, inclusive, uma voz feminina, o que sempre causa certa curiosidade nos livros do autor. ;Não entendo por que, no meu caso, parece ser um acontecimento tão especial. Uma das explicações possíveis é que tendo a criar personagens de histórias que são vistas como de temáticas masculinas ou que mostram um pouco o problema do que seria a masculinidade no tempo presente. Minhas histórias acabam tendo um viés um pouco masculino nesse sentido. Talvez por isso os personagens femininos, quando narram em primeira pessoa, chamem um pouco a atenção dos leitores;, avalia Galera.

Algumas temáticas aparecem no romance para lembrar ao leitor a época na qual vivem ele e os personagens. Galera leu muito sobre o antropoceno e o pós-humanismo durante a escrita do livro. Temas como superpopulação, revolução verde, mudança climática, sobrevivência do planeta e da espécie são preocupações da Aurora, mas também do próprio autor. No entanto, ao contrário da personagem, ele não se permite uma reação niilista. Prefere acreditar que o mundo é remediável. ;A gente vai ter que entender como e se continua no mundo não agravando esses problemas além da conta e buscando minimizar os danos. E nisso, a empatia se torna ainda mais importante num momento de muitas crises como é o nosso;, diz. A empatia, Galera defende, é a única forma de construir uma sociedade justa. Se colocar no lugar do outro, para o autor, é também um exercício de criatividade e imaginação proporcionado pelas artes.
Meia-noite e vinte, de Daniel Galera. Companhia das Letras, 208 páginas. R$ 34,90. TRÊS PERGUNTAS / DANIEL GALERA

Aurora é uma personagem preocupada com o futuro do planeta e da humanidade. Como você encara esse problema?
A humanidade sempre teve ideologias pró-natalistas, desde a religião até o progresso material e científico que exige populações cada vez maiores, e isso se torna insustentável neste momento. Tem que se pensar em soluções para diminuir a quantidade de pessoas de uma forma que não seja tirânica e que o remédio não seja pior que a solução. Mas acho que é uma questão importante e poucos teóricos consideram a questão da natalidade de uma forma séria, porque é um assunto meio tabu. Entra em questões bem complicadas de ética e moral.

O que esses personagens, que eram jovens muito próximos uns dos outros e depois se afastam, dizem sobre os relacionamentos contemporâneos?
A gente percebe que vários dos interesses românticos que há entre os personagens não se resolvem, seja porque os desejos não coincidem, seja porque a vida os separa ou porque as relações deles acabam sendo muito mediadas por meios de comunicação e meios digitais. É um dos temas que perpassa o livro como um todo. Mesmo os que têm relacionamentos estáveis, acabam tendo uma relação com os seus desejos mediada por pornografia online, salas de chats eróticos. Então as pessoas estão fisicamente um tanto solitárias, embora estejam estabelecendo relações de outros tipos, mais distanciadas no espaço e mediadas por meios eletrônicos. Acho que isso parte de uma observação minha de como os relacionamentos são, de fato, hoje em dia, e como a internet trouxe formas novas de se relacionar que não são, necessariamente, melhores ou piores que as anteriores, mas são diferentes.

Você criticou o narcisismo nas redes sociais. Como você se policia para não cair nessa armadilha?
É um exercício de atenção constante. A gente é constantemente tentado a dar vazão a nossas carências e buscar afagos ao ego nas redes sociais. É a construção de uma persona, que pode ser fictícia, buscando agradar ao outro, provocar reações nos outros que vão nos agradar. Isso é natural, não é nenhum crime, mas acho que é uma tendência que, quando exagerada, gera alguns extremos. Não escapo a isso, mas procuro me manter atento e moderar um pouco minha atuação em redes sociais. Tento não me entregar a isso de uma forma não crítica. E as pessoas têm diferentes inclinações para participar das redes. Por exemplo, o Facebook, para mim, é um pouco demais. Saí em 2012, porque aquilo estava me tragando demais e eu me flagrava tentando atuar diante dos outros, buscando uma reação específica que fosse me agradar. E tem o tipo de discussão, de posição exagerada e binária que às vezes pauta as discussões nas redes sociais. As pessoas parecem mais interessadas em manter a posição do em diálogos francos, sinceros e construtivos. Por outro lado, o Twitter estabelece um tipo de contato com as pessoas que para mim é mais enriquecedor, tem uma medida mais exata para a forma de contato que gosto de manter com leitores e amigos. Acho que a gente tem que fazer escolhas e saber se a gente realmente quer estar ali, se aquilo traz coisas boas ou ruins.

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