Rebeca Oliveira
postado em 05/10/2016 09:50
Em um estúdio com perfume vintage, numa casa no Lago Norte, a banda brasiliense Judas grava um videoclipe em tom informal de uma versão de Cópias mal feitas, de Alceu Valença. À vontade, os músicos dão novos contornos ao clássico do cantor pernambucano. Captadas pela fotógrafa Patrícia Soransso, as imagens fazem parte do projeto Fumarte Sessions e deixam claro como funcionam as gravações no Estúdio Fumarte, dos irmãos Breno Brites e Bruno Prieto, um dos redutos undergrounds da cidade que tem movimentado a cena local. Uma característica espontânea do espaço é ter recebido bandas influenciadas pela contracultura e psicodelia da década de 1970.
Envolvidos em música desde que se entendem por gente ; eles compõem a dupla de rock Bílis Negra ;, Breno e Bruno montaram o espaço de gravações há um ano e meio. Os irmãos não intitulam a Sala Fumarte como estúdio, por não se tratar de um espaço comercial. Eles não fazem ensaios, por exemplo. ;A intenção é abrir espaço para bandas que não teriam a oportunidade de gravar da maneira convencional;, explica Breno Brites.
[SAIBAMAIS]Com produção de Gustavo Halfeld, Rios Voadores, Joe Silhueta, Vintage Vantage, Almirante Shiva e Galopardo já gravam faixas, EPs e discos por lá ; e também de fora. Quando veio à capital para se apresentar, a banda Camarones Orquestra Guitarrística, do Rio Grande do Norte, fez questão de passar pelo local, com caráter aconchegante e que remete aos tempos remotos de estúdios clássicos, como o inglês Abbey Road, o paulista Trama e o americano Electrical Audio.
A atmosfera retrô é proposital e se reflete na sonoridade tanto das gravações quanto da web-série Fumarte Sessions. Quanto mais próximo do som orgânico e visceral, melhor. ;Nós gravamos de forma muito específica, como se fazia há 50 anos. Tentamos manter o máximo de som ao vivo. A maioria das bandas busca exatamente isso, quer o mínimo de edições quanto for possível. Esse material ;bruto;, original, tem a capacidade de captar o momento;, esclarece Breno. O reduto tem incentivado a música autoral da cidade e serve de impulso a um novo levante musical candango, um processo em andamento, qual a sala se orgulha de fazer parte. ;Somos mais um espaço entre tantos que atendem essa necessidade dos artistas da cidade que querem divulgar sua música;, afirma Brites.
Breno rebate quando questionado se o underground brasiliense parecia morto ou com dias contados. ;Exatamente por isso é underground. Não queremos entrar no mainstream, até para dar a atenção que as bandas merecem. Trabalhamos com os músicos de modo pessoal, para fazerem o som com conforto e tranquilidade. Mas, apesar dessa informalidade, não é um hobby, é trabalho;, emenda.
O know-how se equipara ao de especialistas da indústria fonográfica tradicional, embora a mentalidade e abordagem sejam completamente opostas. ;A Sala Fumarte é o contrário da produção em massa. É um processo artesanal, o equipamento é analógico, embora o resultado final seja digital. A tecnologia digital permitiu que chegássemos a esse meio-termo, aliando o melhor dos dois mundos. É importante destacar, também, que não gravamos só artistas de rock. O underground está em qualquer lugar e estilo. Na música, há sempre alguém começando;, ressalta Breno. Sobre os vídeos da Sessions, o próximo clipe a ser lançado tem nome marcado: a banda Rios Voadores.
Fotógrafa que trabalhava com videoclipes no Paraná, Patrícia Soransso está radicada há dois anos em Brasília e é quem registra as imagens que começaram como making of descontraído. ;A sala recebe uma luz dourada natural. Evitamos filmar a noite. Fui construindo minha linguagem a partir do que o lugar organicamente me oferece, como os quadros espalhados por lá, que dão uma vibe setentista;, comenta a artista.
Zine ;subversivo;
Misto de ilustração, colagens e texto, a Iluzine lança nova edição, com inspiração na revista anarquista Víbora, publicada nos anos 1980, no fim da ditadura militar. Em comum, e tão underground como a Sala Fumarte, tem os traços de artistas com inspiração setentista e o anseio de manter-se alheio ao sistema convencional de se fazer cultura. O projeto é encabeçado por três moradores do Entorno: o ilustrador Oberon Blenner, o escritor Gabriel de Jesus e o poeta Leonardo Pereira, que comandam a editora Rroboro. Há, ainda, a colaboração de Rai Cruz, um ajudante de pedreiro e poeta.
Na nova edição, filosofam sobre subversão, niilismo e autoafirmação, no que eles chamam de contracontracultura. Se o mercado de zines já é algo à margem, a equipe do Iluzine se encontra além dela pelo fato de morarem fora do DF, na Cidade Ocidental (GO). ;Fomos separados desde sempre. Não faz sentido querer tratar as coisas da mesma forma;, explica Gabriel de Jesus.
Nada panfletário
;Temos um caráter ácido e verborrágico em relação ao circuito de zines de Brasília. Somos o underground dentro do underground. Os trabalhos têm um caráter de reclame social, mas muito subjetivo, nada panfletário.Não é um manifesto, são confissões misturadas a ficções;, diz Gabriel.
Ilustrações psicodélicas, resultado de um processo chamado de fluxo de consciência, no qual Oberon é guiado pela sensibilidade e só depois define o teor das imagens, se encontram com contos e poemas igualmente reflexivos. ;Ele se intitula o mestre psicodélico da caneta Bic;, brinca Jesus.
O resgate da imagem da arte marginal mostra como o coletivo se vê em relação ao mundo. ;Estamos prestes a viver uma revolução. Quando decidimos ressucitar o zine, em junho, lembramos da nossa ideia inicial, de relembrar a Víbora, que tinha capacidade de fazer uma leitura muito boa do momento histórico que viviam. Nós percebemos que essa responsabilidade agora era nossa;, comenta, explicando que a polaridade política do país os inspira, embora os textos não sejam direcionados a favor ou contra partidos específicos. ;Mas para quem entende, um pingo é letra;, encerra Gabriel.
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